“Com que coisa podemos comparar o Reino de Deus?”
Marcos 4,26-34
O texto de hoje traz à tona dois elementos muito importantes para o estudo dos Evangelhos: “o Reino de Deus” e “as parábolas”. Antes de olhar o texto mais de perto, convém comentar algo sobre esses dois termos ou conceitos.
Existe um consenso entre os estudiosos modernos, sejam católicos ou protestantes, de que há dois termos nos textos evangélicos que provêm do próprio Jesus e que não dependem da reflexão posterior das comunidades, ou seja, “Reino” e “Abbá”. Estamos tão acostumados de ter Jesus como “objeto” da pregação que esquecemos que Ele não pregou a si mesmo, mas o “Reino de Deus” (geralmente citado em Mateus como o “Reino dos Céus”, para evitar o uso do nome de Deus). Toda a vida de Jesus foi dedicada ao serviço desse Reino, que Ele nunca o define, pois é uma realidade dinâmica, mas que Ele descreve por comparações, usando parábolas. “Parábola” é um tipo de comparação, usando símbolos e imagens conhecidos na vida dos ouvintes e que os leva a tirar as próprias conclusões (de fato, por várias vezes, temos a explicação de uma parábola nos evangelhos, mas esta nasceu da catequese da comunidade e não teria feito parte da parábola original). O capítulo 13 de Mateus talvez seja o melhor exemplo do uso de parábolas para clarificar a natureza do Reino (ou Reinado) de Deus.
No tempo de Jesus e das primeiras comunidades cristãs, os diversos grupos religiosos judaicos esperavam a chegada do Reino de Deus e achavam que poderiam apressar sua chegada; os fariseus mediante a observância da Lei, os essênios pela pureza ritual, os zelotes por meio de uma revolta armada. O texto de hoje nos adverte que não é nem possível, nem preciso, tentar apressar a chegada ou o crescimento do Reino de Deus, pois ele tem uma dinâmica interna de crescimento própria.
Como a semente semeada cresce independentemente do semeador e sem que ele saiba como, assim o Reino cresce onde plantado, pois também tem a sua própria força interna que, passo por passo, vai levá-lo à maturidade. Assim o texto nos mostra o que Paulo vai ensinar de uma maneira diferente aos coríntios, quando, referindo-se ao trabalho de evangelização desenvolvido por ele, Apolo e outros missionários e missionárias, afirma: “Paulo planta, Apolo rega, mas é Deus que faz crescer” (1Cor 3,6).
Uma das imagens que Jesus usa para caracterizar o Reino é a do grão de mostarda. Embora a semente seja minúscula, ela cresce até se tornar um arbusto frondoso. Assim Jesus quer que relembremos que é importante começar com ações pequenas e singelas, pois, pela ação do Espírito Santo, elas poderão dar frutos grandes. Essa parábola é um lembrete para que não caiamos na tentação de olhar as coisas com os olhos da sociedade dominante, que valoriza muito a prepotência, o poder, a aparência externa. Nossa vocação é plantar e regar, nunca perdendo uma oportunidade de semear o Reinado de Deus, ou seja, criar situações nas quais realmente reine o projeto do Pai, projeto de solidariedade e amor, partilha e justiça, começando com sementes minúsculas, para que, não por nosso esforço, mas pela graça de Deus, eventualmente cresça uma árvore frondosa que abriga muitos. O desafio do texto é de que valorizemos o gesto pequeno, as duas moedas da viúva, a semente de mostarda, não nos preocupando com os resultados, mas confiantes no poder transformador da semente, plantar e regar, para que Deus possa ter a colheita.
Padre Tomaz Hughes, SVD, biblista e assessor da CRB e do Cebi. Dedicou-se a cursos e retiros bíblicos em todo o Brasil. Publicou diversos artigos e o livro “Paulo de Tarso: discípulo-missionário de Jesus”. Faleceu em 15 de maio de 2017. Suas reflexões bíblicas são muito atuais.