12º Encontro de Fé e Política: transformação e esperança

Muitos cristãos resistem e criticam quando veem associadas as palavras “fé” e “política”. Ainda há uma postura de desconfiança e rejeição à política, entendida de forma redutiva como jogo de poder na disputa entre partidos, frequentemente corruptos.

O Papa Francisco tenta reconquistar os corações dos fiéis, escrevendo sobre “a política melhor” (Fratelli Tutti, n. 154), construída na participação dos poetas e das poetizas sociais, que sonham e constroem uma cidadania inclusiva, inspirada na justiça e no cuidado da Casa Comum.

Em paralelo, no mundo inteiro, o oportunismo populista compreendeu que a religião é um dos veículos mais eficazes para disputar a alma das pessoas, contaminá-las de medo e oferecer a elas a segurança e o rigor de posições fundamentalistas e intolerantes. Nesse caso, associar fé e política não só é legítimo, mas também necessário para controlar o poder.

Desde 1989, o Movimento Nacional de Fé e Política no Brasil acredita na dimensão política intrínseca aos Evangelhos e na práxis transformadora do exemplo de vida de Jesus Cristo. É nesse espírito que se convocou em Belo Horizonte, de 5 a 7 de abril de 2024, o 12º Encontro Nacional de Fé e Política, com participação de cerca de 2 mil pessoas, de todos os cantos do Brasil.

Foi uma festa de reencontros, um entrelaçamento de partilhas e projetos, uma celebração da resistência e da esperança. “A esperança tem duas irmãs mais novas: a indignação e a coragem”, comentava Santo Agostinho. Ao retomar essas palavras, Leonardo Boff convidou todas e todos os participantes a não apagar a indignação, não se deixar resignar pelo torpor da acomodação, e assumirem a coragem da transformação. Cada vez mais urgente, por causa da crise climática, ambiental, social e ética que estamos atravessando, neste tempo de colapso de um sistema capitalista que mata, exclui e discrimina.

Uma espiritualidade libertadora tem a força de “Encantar a política com arte, cultura e democracia”, como dizia o lema do encontro. A espiritualidade, de fato, esteve na base dos três dias, numa dimensão ecumênica e inter-religiosa, com o protagonismo das mulheres, a presença viva das igrejas-irmãs protestantes, das religiões afro e dos povos originários. 

“Espiritualidade é o jeito de ser de nossos corpos. Únicos, coletivos, integrados (porque somos corpo também junto às plantas e aos bichos). Atravessados pelas dores e a abundância da festa. Corpos que não cabem em si, que buscam sempre se superar, em transcendência”, comentou a pastora Luzmarina.

Corpos que buscam se relacionar com o “Pai Nosso”, que é também nossa Mãe, conforme conseguem repartir o “Pão Nosso”, a cada dia, como acrescentou Frei Betto.

Assim, em busca de traduzir a espiritualidade em práticas de justiça e misericórdia, celebrando o Domingo da Divina Misericórdia, a plenária dividiu-se em grupos temáticos de estudo, partilha e compromisso. Foram aprofundados diversos temas, como educação popular, bem viver e decrescimento, eleições municipais, cultura popular, capitalismo de rapina e emergência climática, opção pelos pobres em Jesus e na Igreja, combate ao racismo, promoção da paz, arte para a transformação cultural.

A arte, de fato, teve um papel preponderante, inspirador: “Ela é irreverente, ela põe a alma do povo para dançar”, arrematou Zé Vicente.

O 12º Encontro realizou-se no Tempo de Páscoa, e uma luz de vela brilhou o tempo inteiro, na frente do palco, a nos lembrar a Ressurreição de Cristo, que é, de certa forma, a insurreição de todas as forças inconformadas que rolam as pedras dos sepulcros, atravessam as portas fechadas, empurram a Igreja para sair de si.

Saímos todas e todos do Encontro com compromissos e muito trabalho, porque a práxis libertadora exige também disciplina e organização. Os passos mais urgentes são o percurso formativo “Encantar a Política” e a ação coletiva “Mutirão pela Democracia”, em vista das eleições municipais deste ano. Um instrumento de formação belo e instigante é a Revista Casa Comum, disponível tanto on-line como em formato impresso, para quem o queira solicitar.

Sim, é esta a “política melhor”: aquela que sonha, não se deixa sufocar por interesses mesquinhos, conquista corações e nos coloca, hoje e sempre, no movimento da ressurreição dos corpos, humanos, sociais e coletivos!

Dario Bossi

Religioso comboniano no Brasil. Depois de passar dez anos no Maranhão (Estado afetado por intensa mineração), está empenhado na defesa dos direitos ambientais dos povos. Atua na Rede Eclesial Pan-Amazônica (Repam), na rede Igrejas e Mineração e na Comissão para a Ação Sociotransformadora da CNBB.

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