“Quem come deste pão viverá para sempre”
João 6,41-51
Nesse texto, nós nos encontramos no meio do discurso de Jesus sobre o “Pão da Vida”. O gancho que João usa para pendurar a fala é o pedido dos judeus no versículo 35: “Senhor, dá-nos sempre desse pão”. Em resposta, Jesus começa sua grande alocução. Divide-se em duas partes. Na primeira (vers. 35-50), que inclui o texto de hoje, o pão celestial que nos nutre é a revelação ou o ensinamento de Jesus (o tema sapiencial); na segunda parte (vers. 51-58), será a Eucaristia (tema sacramental). O redator da comunidade joanina combinou “o pão do céu” com o material eucarístico da Última Ceia, e assim formou a segunda parte do discurso como texto paralelo à primeira. Isso explica a ausência de um relato da instituição da Eucaristia nos textos da Ceia em João, pois seu conteúdo básico foi colocado aqui.
Como seus antepassados murmuravam no deserto contra o pão que Deus mandava (o maná), agora eles se queixam do novo maná. Aqui logo aparece uma característica do João, a ironia. Os judeus (aqui se entendem as autoridades judaicas e não o povo judeu) dizem que conhecem a origem de Jesus, pois só pensam em sua família de origem. Jesus mostra que, na verdade, não a conhecem, pois eles não viram o Pai, sua verdadeira origem. Aqui também aparece, no versículo 47, mais uma característica joanina, a “escatologia realizada”. Enquanto, para os Sinóticos, o juízo é algo que se dá no último dia, para João, frequentemente, já aconteceu, pois a pessoa é salva ou condenada já, por sua aceitação ou não de Jesus como o Filho de Deus.
Aqui, de novo, João nos dá o que talvez seja uma variante das palavras da instituição da Eucaristia: “O pão que eu vou dar é a minha própria carne, para que o mundo tenha a vida” (vers. 51). João enfatiza que o Verbo Divino se tornou carne e tem entregado sua carne como alimento da vida eterna.
O texto não é fácil, pois é extraído de um discurso muito mais comprido e que forma uma unidade. Mas está ligado, no capítulo 6, à multiplicação dos pães. A participação eucarística no Corpo e Sangue de Jesus exige uma vivência de partilha e solidariedade. Esse tema é caro a João e é retomado em sua Primeira Carta.
Padre Tomaz Hughes, SVD, biblista e assessor da CRB e do Cebi. Dedicou-se a cursos e retiros bíblicos em todo o Brasil. Publicou diversos artigos e o livro “Paulo de Tarso: discípulo-missionário de Jesus”. Faleceu em 15 de maio de 2017. Suas reflexões bíblicas são muito atuais.