“A libertação de vocês está próxima”
Lucas 21,25-28.34-36
Neste primeiro domingo do ano litúrgico, Lucas nos mergulha em um dos discursos escatológicos de seu Evangelho. Assim, usa imagens e símbolos que não são de nossa cultura e época, e por isso nem sempre são fáceis de serem compreendidos pelos ouvintes de hoje. Porém, na literatura apocalíptica, não é necessário interpretar cada imagem detalhadamente. O mais importante não é cada pedra do mosaico, mas o padrão inteiro, não cada imagem e símbolo, mas sua mensagem de conjunto.
O texto nos apresenta a figura do “Filho do Homem”, o título que os Evangelhos mais usam para Jesus e que nós pouco usamos. Esse título vem de um trecho do livro apocalíptico de Daniel: “Em imagens noturnas, tive esta visão: entre as nuvens do céu, vinha alguém como um filho de homem… Foi-lhe dado poder, glória e reino, e todos os povos, nações e línguas o serviram. O seu poder é um poder eterno, que nunca lhe será tirado. E o seu reino é tal que jamais será destruído” (Daniel 7,13s).
Jesus recorda a seus discípulos a mensagem de ânimo que trazia o Livro de Daniel aos perseguidos do tempo dos Macabeus, pelo ano 175 a.C., que, embora possa parecer que os poderes deste mundo, os impérios opressores, sejam mais fortes do que o poder de Deus, isso não passa de uma ilusão. Pois, na plenitude dos tempos, Deus, por meio de seu Ungido (o Filho do Homem), revelará seu poder e estabelecerá um Reino que jamais será destruído. Isso acontece agora, em Jesus!
Qualquer interpretação de um texto apocalíptico que bota medo nos ouvintes que sofrem as consequências do reino opressor de qualquer época é necessariamente errada, pois a função da literatura apocalíptica é animar e dar coragem aos oprimidos e sofredores. Por isso, o ponto central de nosso texto de hoje é uma mensagem de ânimo, coragem e fé: “Quando essas coisas começarem a acontecer, levantem-se e erguem a cabeça, porque a libertação de vocês está próxima” (vers. 28).
Esse trecho tem uma dimensão fortemente cristológica. Ele nos afirma que Jesus, o Filho do Homem vitorioso, tem em seu controle todas as forças, sejam elas de guerra (vers. 9) ou do mar, símbolo de forças indomináveis na literatura judaica da época (vers. 25). O versículo acima citado traz uma mensagem cheia de confiança: em contraste com a atitude de covardia dos malvados (vers. 26), os discípulos ficarão com a cabeça erguida, para acolher o juiz justo, o Filho do Homem.
Mesmo assim, os eleitos devem ficar atentos para não caírem. Devem cuidar muito para que “Os corações não fiquem insensíveis por causa da gula, da embriaguez e das preocupações da vida” (vers. 34). Pois é fácil assumir as atitudes do mundo sem que notemos, a não ser que sejamos vigilantes. Por isso, o texto de hoje termina com um conselho válido também para os discípulos dos tempos modernos: “Fiquem atentos e rezem todo o tempo, a fim de terem força” (vers. 36).
O Advento é tempo oportuno para que examinemos nossa vida para descobrir se realmente estamos atentos, o tempo todo, para não perdermos as manifestações da presença de Jesus no meio de nós. É tempo de nos dedicarmos mais à oração, para renovarmos nossas forças, para não cairmos na armadilha da “inatenção” no meio das preocupações e barulhos do mundo moderno, para que nossos corações continuem “sensíveis” aos apelos do Senhor, por meio dos irmãos e irmãs, em nosso dia a dia.
O ano litúrgico que se inicia neste domingo usa, nos domingos comuns, o Evangelho de Lucas, o Evangelho da Misericórdia por excelência. Sejamos vigilantes para que a misericórdia seja característica de nossas relações e para que não caiamos nas ciladas de atitudes de violência, vingança e dureza de coração, típicas de nossa sociedade e tão propagadas pela mídia hoje.
Padre Tomaz Hughes, SVD, biblista e assessor da CRB e do Cebi. Dedicou-se a cursos e retiros bíblicos em todo o Brasil. Publicou diversos artigos e o livro “Paulo de Tarso: discípulo-missionário de Jesus”. Faleceu em 15 de maio de 2017. Suas reflexões bíblicas são muito atuais.