21º Domingo do Tempo Comum

“Tu tens palavras de vida eterna”
João 6,60-69

Aqui temos a conclusão do grande discurso sobre o Pão da Vida. Mais uma vez, O Evangelho de João deixa claro que, diante de Jesus e de suas palavras, o ouvinte tem de tomar uma decisão radical. Os versículos de nosso texto não escondem o fato de que nem todos conseguem optar por Jesus.

As primeiras palavras de hoje, “depois de ter ouvido isso”, demonstram que a divisão nasceu a partir de algum ensinamento de Jesus, sem explicitar o motivo exato da discussão. As preocupações comunitárias dos versículos anteriores, a afirmação de Jesus, de que Ele dá seu corpo como pão da vida, e o fato de que o texto se dirige aos discípulos indicam que provavelmente foi o discurso eucarístico a fonte de divisão. Porém a afirmação de Jesus, de que Ele “dá a vida” (o que causou já uma divisão em 5,19-47) e a identificação de sua palavra reveladora com “o pão vindo do céu”, na primeira parte do discurso, talvez tenham criado a controvérsia.

De qualquer maneira, é importante notar que a divisão não se dá entre “os judeus”, no sentido das autoridades judaicas, mas entre os próprios discípulos, muitos dos quais abandonam Jesus nesse momento. Sem dúvida, essa história reflete a experiência da comunidade do Discípulo Amado na década de 90 do primeiro século, quando estava sentindo na pele as dores de divisão, pois muitos de seus membros a estavam abandonando (essa divisão é o pano do fundo das três cartas joaninas).

É muito interessante a reação de Jesus diante do abandono da maioria de seus discípulos. Ele não arreda o pé, mas, com toda a calma, até convida os Doze para saírem se não podem aceitar sua Palavra. Jesus não se preocupa com números, mas com a fidelidade ao Pai. Talvez até fique sozinho, mas não vai diluir em nada as exigências do seguimento da vontade do Pai. Um exemplo importante para nós, pois, muitas vezes, caímos na tentação de julgar o êxito pelos números: igrejas cheias indicam sucesso. Mas nem sempre é assim. É mais importante ser coerente com o Evangelho, custe o que custar, do que “fazer média” com a sociedade, às vezes, por uma pregação tão insossa que reduz a religião a mero sentimentalismo, sem consequências sociais.

Devemos cuidar de não interpretar erradamente as palavras de Jesus no versículo 63, quando diz que “É o Espírito que vivifica, a carne para nada serve”. Às vezes, usa-se essa frase (e outras de João) para justificar uma religião dualista, na qual tudo o que é “espírito” é bom e tudo o que é material é do mal. Aqui João não distingue duas partes do ser humano, mas duas maneiras de viver. A “carne” é a pessoa humana entregue a si mesma, incapaz de entender o sentido profundo das palavras e dos sinais de Jesus; o “espírito” é a força que ilumina as pessoas e abre seus olhos para que possam entender a Palavra de Deus que se pronuncia em Jesus.

Diante do desafio de Jesus, Pedro resume a visão dos que percebem no Senhor algo mais do que um mero pregador. A quem iriam? Só Jesus tem as palavras de vida eterna. Declaração atual, pois é moda na nossa sociedade (até entre muitos católicos praticantes) de correr atrás de tudo o que é novidade: supostas aparições, videntes, esoterismo, religiões orientais, gnosticismo e tantas outras propostas, às vezes até esdrúxulas, enquanto se ignora a Palavra de Deus nas Escrituras.

O texto nos convida a nos examinarmos, a verificarmos se estamos realmente buscando a verdade onde ela se encontra, ou se a deixamos de lado, achando (como a multidão no texto) que o seguimento de Jesus “é duro demais”. No meio de tantas propostas de vida, estamos convidados a reencontrar a fonte da verdadeira felicidade e da verdadeira vida, fazendo a experiência de Pedro, que descobriu que Jesus “tem palavras de vida eterna”.

Padre Tomaz Hughes, SVD, biblista e assessor da CRB e do Cebi. Dedicou-se a cursos e retiros bíblicos em todo o Brasil. Publicou diversos artigos e o livro “Paulo de Tarso: discípulo-missionário de Jesus”. Faleceu em 15 de maio de 2017. Suas reflexões bíblicas são muito atuais.

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