Mt 16,21-27
“Se alguém quer me seguir, renuncie a si mesmo, tome a sua cruz e me siga!”
O Evangelho de hoje, na verdade, é uma continuação do proclamado na Solenidade de São Pedro e São Paulo e, para que entendamos o texto mateano em sua integridade, torna-se necessário completar a leitura do Evangelho da solenidade com o texto de hoje. Pois ele mostra que, embora Pedro tivesse usado os termos certos para descrever quem era Jesus, ele os entendia de modo errado. Para Jesus, ser o Cristo significava assumir a missão do Servo de Javé, descrito pelo profeta Segundo Isaías, nos Cantos do Servo de Javé (Is 42,1-9; 49,1-9a; 50,4-11; 52,13-53). Jesus deixa claro que ser o Cristo não significava triunfo nos termos deste mundo, mas o contrário: “O Filho do Homem deve sofrer muito, ser rejeitado pelos anciãos, pelos chefes dos sacerdotes e doutores da Lei, deve ser morto e ressuscitar no terceiro dia”.
Essa visão que Jesus tinha da missão do Messias não era comum. Em geral, o povo esperava um messias triunfante e glorioso. Mateus nos mostra que Pedro partilhava essa visão errada, a ponto de tentar corrigir Jesus e de ganhar do Senhor uma correção dura: “Fique longe de mim, Satanás! Você não pensa as coisas de Deus, mas as coisas dos homens” (Mc 8,33).
Não basta usar os termos certos, temos de ter o conteúdo certo. A Bíblia nos conta que Deus criou o homem e a mulher à sua imagem e semelhança, mas, na verdade, muitas vezes, nós criamos Deus à nossa imagem e semelhança, para que Ele não nos incomode. A nossa tendência é de seguir um messias triunfante e não o Servo Sofredor. Mas, para Jesus, não há meio-termo. O discípulo tem de andar nas pegadas de seu mestre: “Se alguém quer me seguir, renuncie a si mesmo, tome cada dia a sua cruz e me siga” (Lc 9,23).
O seguimento de Jesus leva à cruz, pois a vivência das atitudes e opções dele vai nos colocar em conflito com os poderes contrários ao Evangelho. Carregar a cruz não é aguentar qualquer sofrimento passivamente. Se fosse assim, a religião seria masoquismo! Carregar a cruz é viver as consequências de uma vida coerente com o projeto do Pai, manifestado em Jesus. Segui-lo não é tanto fazer o que Jesus fazia, mas o que Ele faria se estivesse aqui hoje. E como Ele foi morto, não pelo povo, mas por grupos de interesse bem definidos, “os anciãos, os chefes dos sacerdotes e os doutores da Lei” (a elite dominante em termos econômicos, religiosos e ideológicos), seus seguidores entrarão em conflito com os grupos que hoje representam os mesmos interesses. Por isso sempre haverá a tentação de criarmos um Jesus “light”, sem grandes exigências, limitando a religião a uma religião intimista e individualista, sem consequências sociais, políticas, econômicas ou ideológicas.
A nossa resposta à pergunta “E você, quem diz que eu sou?” se dá não tanto com os lábios, mas com as mãos e os pés. Respondemos quem é Jesus para nós por nossa maneira de viver, por nossas opções concretas, por nossa maneira de ler os acontecimentos da vida e da história. Tenhamos cuidado com qualquer Jesus não exigente, que não traz consequências sociais, que não nos engaja na luta por uma sociedade mais justa. Pois o Jesus real, o Jesus de Nazaré, o Jesus do Evangelho não foi assim e deixou claro: “Se alguém quer me seguir, renuncie a si mesmo, tome cada dia a sua cruz, e me siga. Pois, quem quiser salvar a sua vida vai perdê-la, mas quem perder a sua vida por causa de mim, esse a salvará” (Lc 9,24).
Padre Tomaz Hughes, SVD, biblista e assessor da CRB e do Cebi. Dedicou-se a cursos e retiros bíblicos em todo o Brasil. Publicou diversos artigos e o livro “Paulo de Tarso: discípulo-missionário de Jesus”. Faleceu em 15 de maio de 2017. Suas reflexões bíblicas são muito atuais.Pe. Tomaz Hughes, SVD