“Se alguém quer me seguir, tome a sua cruz, renuncie a si mesmo e me siga”
Marcos 8,27-35
Como Evangelho de hoje, temos a história do caminho de Cesareia de Filipe. Embora de grande importância também em Mateus e Lucas, o relato mais original está no Evangelho de Marcos, capítulo 8, o qual se torna o pivô de todo o Evangelho.
A pedagogia do relato é interessante. Primeiro, Jesus faz uma pergunta bastante inócua: “Quem dizem os homens que eu sou?”. Assim, chovem respostas, pois essa pergunta não compromete (é o “diz que…”). Mas a segunda pergunta traz a “facada”: “E vocês, quem dizem que eu sou?”. Agora não vêm muitas respostas, pois quem responde em nome pessoal, e não dos outros, compromete-se. Somente Pedro se arrisca e proclama a verdade sobre Jesus: “Tu és o Messias”. Aparentemente, Pedro acertou, e realmente, na versão mateana, Jesus confirma a verdade do que proclamou. Afirmou que foi por uma revelação do Pai que Pedro fez sua profissão de fé. Mas, para que entendamos bem o trecho, é importante que continuemos a leitura pelo menos até o versículo 35, porque o assunto é mais complicado do que possa parecer.
Jesus logo explica o que quer dizer ser o Messias. Não era ser glorioso, triunfante e poderoso, conforme os critérios deste mundo e as expectativas do povo de seu tempo, inclusive os discípulos. Muito pelo contrário, era ser fiel à sua vocação como Servo de Javé, que teria como consequência ser preso, torturado e assassinado, e dar a vida em favor de muitos. Usando o título messiânico “Filho de Homem”, que vem de Daniel (7,13ss), Jesus confirmou que era o Messias, mas não do jeito que Pedro esperava. Este, conforme as expectativas correntes em seu tempo, esperava um messias forte e dominador, não um que pudesse ir e levar com ele seus seguidores até a Cruz. Por isso Pedro contesta Jesus, pedindo que nada daquilo acontecesse. E, como recompensa, ganha uma das frases mais duras da Bíblia: “Afaste-se de mim, satanás! Você não pensa as coisas de Deus, mas as coisas dos homens” (vers. 33). Pedro, cuja proclamação de fé parecia ser tão acertada, é agora chamado de Satanás, o Tentador por excelência. Pedro tinha os títulos certos para Jesus, mas a prática errada. Usando nossos termos de hoje, de uma forma um tanto anacrônica, podemos dizer que ele tinha ortodoxia, mas não ortopraxis.
Assim, Jesus usa o equívoco de Pedro para explicar o que significa ser seguidor dele: “Se alguém quer me seguir, renuncie a si mesmo, tome a sua cruz e siga-me” (vers. 34). Ter fé em Jesus não é, em primeiro lugar, um exercício intelectual ou teológico, mas uma prática, uma adesão à sua pessoa e missão, que leva ao seguimento dele na construção de seu projeto, até as últimas consequências.
Hoje, 2 mil anos depois, a pergunta de Jesus ressoa forte; a segunda pergunta. Para nós, quem é Jesus? Não para o catecismo, não para o Papa ou o bispo, mas para cada um de nós, pessoalmente. No fundo, a resposta se dá não com palavras, mas pela maneira em que vivemos e nos comprometemos com o projeto de Jesus, Ele que veio para que todos tivessem a vida e a vida plenamente (João 10,10). Cuidemos para que não caiamos na tentação do equívoco de Pedro, a de termos doutrina e teoria certas, mas a prática errada.
Padre Tomaz Hughes, SVD, biblista e assessor da CRB e do Cebi. Dedicou-se a cursos e retiros bíblicos em todo o Brasil. Publicou diversos artigos e o livro “Paulo de Tarso: discípulo-missionário de Jesus”. Faleceu em 15 de maio de 2017. Suas reflexões bíblicas são muito atuais.