25º Domingo do Tempo Comum

“Se alguém quer ser o primeiro deve ser o último, aquele que serve a todos”
Marcos 9,30-37

Na estrutura do Evangelho de Marcos, depois da chamada “crise galilaica”, manifestada no episódio da estada de Cesareia de Felipe, Jesus muda totalmente de tática, de estratégia. Ele não anda mais com as multidões, quase não faz mais milagres (dos 19 milagres em Marcos, somente 2 ocorrem depois do acontecimento de Cesareia). Em lugar disso, Ele se dedica à formação dos seus discípulos, tentando inculcar neles as atitudes de verdadeiros discípulos, ensinando-os que o caminho dele é o da Cruz, da entrega, da doação, e não da busca do poder, da glória ou da fama. Marcos demonstra isso de uma maneira bem organizada. Em três ocasiões, Jesus anuncia a sua futura paixão (8,81; 9,31; 10,33-34). Em cada uma, os discípulos não compreendem (8,32; 8,34; 10,35-37), e a partir dessas incompreensões, Jesus dá um ensinamento, aprofundando vários aspectos do verdadeiro seguimento dele (8,34-38; 9,35-37; 10,38-45).

O trecho de hoje trata do segundo desses três acontecimentos. A causa da dificuldade é a tentação do poder. Embora Jesus tenha deixado bem claro, pela segunda vez, que o seguimento dele é uma vida de entrega, até à morte, em favor dos outros, os Doze discutem entre si qual deles era a maior. O poder é tentação permanente em todas as comunidades, não isentando as igrejas. Podemos até dizer, com certa dose de humor, que a busca de poder está no DNA das pessoas humanas. Talvez mais do que outro motivo, a sede do poder tem sido o que mais tem corrompido nas igrejas, mais ainda do que a imoralidade ou a ganância financeira. No século XIX, o estadista e historiador católico inglês Lord Acton falou que “todo poder tende a corromper, e o poder absoluto corrompe absolutamente”, e não há poder mais perigoso do que o religioso, exercido em nome de Deus!

Quantos sofrimentos e males são causados por essa sede do poder, disfarçada como mandato de Deus. Desde o fundamentalismo fanático do Talibã, no Afeganistão, até a ufania de certos padres (mormente recém-ordenados), que se ostentam com roupas finas e carros do ano e, de uma maneira opressora, dominam religiosas e leigos de muito mais experiência e sabedoria do que eles… A sede do poder e da dominação, sempre em nome de Deus ou de Jesus, continua a distorcer a vida de muitas comunidades religiosas, dentro e fora do cristianismo. No fundo, é por isso que certos setores da Igreja se colocam, frontalmente ou veladamente, contra o Papa Francisco. Como escreveu o teólogo sul-africano Alberto Nolan, dominicano, “Jesus tem sido mais frequentemente honrado e venerado por aquilo que Ele não significou, do que por aquilo que Ele realmente significou. A suprema ironia é que algumas das coisas, às quais Ele mais fortemente se opôs na sua época, foram ressuscitadas, pregadas e difundidas mais amplamente através do mundo – em seu nome”. O poder-dominação é frequentemente um desses elementos.

Diante da recusa de seus discípulos em entender seu ensinamento, Jesus, o Servo de Javé, pega uma criança como símbolo de quem deve segui-lo. Não porque criança é sempre santa nem inocente, mas porque é sem-poder, dependente dos adultos em tudo. No tempo de Jesus, criança não tinha direitos e era entre os últimos da sociedade. Seus discípulos são convidados a despojar-se do poder para serem servos, da mesma maneira do que o Mestre, Ele que “não se apegou à sua igualdade com Deus. Pelo contrário, esvaziou-se a si mesmo, assumindo a condição de servo e tornando-se semelhante aos homens. Assim, apresentando-se como simples homem, humilhou-se a si mesmo, tornando-se obediente até a morte, e morte da cruz” (Filipenses 2,6-8).

O poder em si é um bem para ser usado a serviço dos outros. Todos nós (clero, religiosos, leigos) somos vulneráveis diante da tentação do poder. Levemos a sério o ensinamento de hoje, pois somente pode ser discípulo de Jesus quem procura ser o servo de todos. Evitemos títulos, privilégios e comportamentos que tão facilmente poderão nos afastar do seguimento do Senhor. Que o nosso modelo seja sempre Ele e não a sociedade vigente, onde é o poder que manda. A nossa força vem da Cruz de Jesus, a fraqueza do Deus “que escolheu o que o mundo despreza, acha vil e sem valor, para destruir o que o mundo pensa que é importante” (1 Coríntios 1,28).

Padre Tomaz Hughes, SVD, biblista e assessor da CRB e do Cebi. Dedicou-se a cursos e retiros bíblicos em todo o Brasil. Publicou diversos artigos e o livro “Paulo de Tarso: discípulo-missionário de Jesus”. Faleceu em 15 de maio de 2017. Suas reflexões bíblicas são muito atuais.

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