“O Reino de Deus será entregue a uma nação que produzirá seus frutos”
Mt 21,33-43
A parábola de hoje é a segunda de uma série de três referentes ao julgamento final de Deus sobre seu povo (antes, houve a parábola dos dois irmãos e virá ainda a da festa de casamento). Com certeza, a redação atual é resultado de uma longa história de transmissão oral e redação. Na boca de Jesus, a história visava a sorte da vinha (v. 41); a tradição pré-sinótica concentrou a atenção na sorte do Filho, acrescentando a citação do Salmo 118 e as alusões escriturísticas (v. 42-44); finalmente, Mateus deixa claro que o advento do novo povo (v. 41) está ligado ao destino daquele que fala e deve ser condenado e morto para depois ressuscitar (cf. notas da Bíblia TEB).
Em sua forma atual, a parábola é uma alegoria da história da Salvação. “Os mensageiros” são os profetas que foram assassinados pelo povo de Israel, culminando com Jesus, como o filho. “O reino” provavelmente se refere à promessa da bênção em plenitude, dos últimos tempos. “O povo” se refere à Igreja; no caso de Mateus, composta principalmente de judeu-cristãos, mas também de gentios convertidos, que formam juntos o novo povo de Deus, o verdadeiro Israel. Essa conclusão do versículo 43 é a principal contribuição de Mateus à interpretação da parábola e é mais suave do que a própria parábola, pois os maus vinhateiros não serão destruídos, mas perderão a promessa.
Como o Evangelho de Mateus foi escrito num contexto de polêmica entre a sua comunidade e o judaísmo formativo do fim do primeiro século, ele queria ensinar para a sua comunidade que a promessa antiga feita ao povo de Deus foi retirada das autoridades farisaicas e de suas comunidades, e foi dada à comunidade da Igreja. Isso não dava às comunidades motivo para comodismo. Como o povo original perdeu a promessa porque “não deu fruto”, também a Igreja não a possui de modo incondicional. Também as comunidades cristãs têm de “dar fruto” de justiça, fraternidade, solidariedade e partilha. A história da Salvação nos mostra que Deus não se deixa manipular nem permite que qualquer comunidade ou religião se torne “dona” dele, mas que seu verdadeiro povo é aquele que se dedica à construção dos valores do Reino de Deus.
O texto convida a um sério exame e revisão de nossas práticas e estruturas eclesiais e eclesiásticas, para que nossa Igreja cristã não chegue a merecer o destino dos vinhateiros. Estes, por não terem correspondido à Aliança, viram a promessa retirada deles e dada a um outro povo “que produzirá os seus frutos” (v. 43). Não há lugar na Igreja para comodismo e atitude de superioridade, pensando que somos superiores a outros grupos, pois o importante é ouvir a Palavra e Deus e a pôr em prática, como sempre ensinava o Mestre.
Padre Tomaz Hughes, SVD, biblista e assessor da CRB e do Cebi. Dedicou-se a cursos e retiros bíblicos em todo o Brasil. Publicou diversos artigos e o livro “Paulo de Tarso: discípulo-missionário de Jesus”. Faleceu em 15 de maio de 2017. Suas reflexões bíblicas são muito atuais.Pe. Tomaz Hughes, SVD