“Começo do Evangelho de Jesus, o Messias, o Filho de Deus”
Mc 1,1-8
O Evangelho de Marcos foi o primeiro dos quatro evangelhos canônicos a ser escrito, provavelmente pelo ano 70, na Síria ou em Roma. Marcos tem o grande mérito de ser o criador desse gênero literário, hoje tão conhecido, chamado “evangelho”, o que literalmente significa “boa-nova” ou “boa notícia”. Porém, no primeiro versículo de sua obra, quando ele se refere ao “começo do Evangelho”, ele não diz sobre o gênero literário, mas à própria Boa-Nova, que é a mensagem de salvação em Jesus, “o Messias, o Filho de Deus”.
Pois o escrito é somente uma das maneiras viáveis para comunicar a experiência dessa boa notícia, tanto que Paulo, que nunca leu um dos quatro Evangelhos (pois morreu pelo ano 66,), pôde falar aos Gálatas do “Evangelho por mim anunciado” (Gl 1,11).
Por isso devemos sempre levar em conta que os quatro Evangelhos do Novo Testamento não se propõem a nos dar uma biografia de Jesus, nem de fazer um relatório sobre a vida dele. Eles são a “boa notícia” de Jesus. Dessa forma, a pergunta que devemos ter em mente ao ler ou ouvir um trecho evangélico não é “aconteceu assim ou não?”, mas “onde está a boa notícia de Jesus neste texto?”.
Como parte de nossa preparação para o Natal, o texto de hoje nos apresenta a pessoa e a mensagem de um dos grandes personagens do Advento: João Batista. Usando uma mistura de citações do Antigo Testamento, tiradas do profeta Malaquias (3,20), Isaías (40,3) e Êx (23,20), Marcos enfatiza o papel de João como Precursor, aquele que prepara o caminho do Senhor. O fato de João estar vestido com pele de camelo faz uma ligação entre ele e o “pai do profetismo”, Elias. Assim, João é a última voz profética da Antiga Aliança, anunciando a chegada da Boa-Nova na pessoa e atividade de Jesus de Nazaré.
O batismo de João era um rito conhecido naquele tempo. Significava o reconhecimento dos pecados e a conversão aos caminhos de Deus. Embora o Advento não seja primariamente tempo de penitência, mas de preparação, o texto nos lembra de que não será possível a preparação para a vinda do Senhor no Natal sem que passemos pelo processo de arrependimento, conversão e experiência da gratuidade de Deus no perdão dos pecados.
Mas a ênfase mesmo está na aceitação não somente do batismo de João, mas de quem viria depois dele, literalmente como ele disse, “atrás de mim”. A expressão, que denota a dignidade, como num cortejo, põe toda a importância na pessoa que vem, pois tirar as sandálias era serviço de um escravo. Jesus é o mais importante, pois, com a vinda dele, inaugura-se o tempo de salvação, esperado naquela época, por muitas pessoas e grupos (como os essênios), somente para o fim dos tempos.
A voz de João ressoa de novo hoje, nos primeiros anos do novo milênio, convidando a todos nós, pessoalmente e em comunidade, Igreja e sociedade, a preparar os caminhos do Senhor, endireitando suas veredas. A preparação para o Natal implica a necessidade de um empenho de todos para que os males, individuais ou sociais, sejam tirados, para que o Natal seja experiência real da vinda do Salvador e não somente uma festinha, vazia de sentido.
Padre Tomaz Hughes, SVD, biblista e assessor da CRB e do Cebi. Dedicou-se a cursos e retiros bíblicos em todo o Brasil. Publicou diversos artigos e o livro “Paulo de Tarso: discípulo-missionário de Jesus”. Faleceu em 15 de maio de 2017. Suas reflexões bíblicas são muito atuais.