“Esta é a voz de quem grita no deserto: preparem o caminho do Senhor”
Lucas 3,1-6
Atrás das informações históricas deste texto, referentes às autoridades seculares e religiosas que teriam influência nos primórdios do cristianismo, jaz a realidade trágica da resposta negativa deles à Palavra de Deus e a seus mensageiros: João, o Batista, e Jesus, o Cristo. Na pessoa de Pôncio Pilatos, a autoridade romana vai agir na decisão de assassinar o Messias; entre os governantes da Palestina, Herodes Antipas aparece diversas vezes no Evangelho, sempre com juízo negativo, e será o responsável pela morte de João, além de estar presente no sofrimento de Jesus na Semana Santa; Anás (sumo sacerdote de 6 a 15 d.C.) e seu genro Caifás (sumo sacerdote de 18 a 37 d.C.) só funcionam porque os romanos permitem e realmente são a estes que servem. Os sumos sacerdotes sempre serão hostis a Jesus e à sua pregação e, no fundo, são eles os responsáveis por sua morte.
No meio desse elenco de poderosos corruptos e perseguidores, Deus manda João Batista como arauto do novo tempo de graça e salvação. Deus não permite que a perversidade e a maldade tenham a palavra final na história da humanidade. Esta será, mais tarde, a mensagem básica do Apocalipse: o mal já é um derrotado e, embora possa parecer diferente, é Deus e não a maldade que controla a caminhada da história. Mensagem de conforto às comunidades sofridas do fim do primeiro século. Mas essa vitória não se concretiza sem que haja luta, sacrifício, e cruz!
Lucas põe na boca de João um trecho de Isaías (40,3-5):
Esta é a voz daquele que grita no deserto: preparem o caminho do Senhor, endireitem as suas estradas. Todo vale será aterrado, toda montanha e colina serão aplainadas, as estradas curvas ficarão retas, e os caminhos esburacados serão nivelados. E todo homem verá a salvação de Deus (Lucas 3,4-6).
Sem dúvida, podemos entender esse trecho com sentido metafórico, como descrição de uma mudança radical no estilo de vida de quem quer aceitar o convite à penitência e ao arrependimento. Os vales a serem aterrados, as montanhas e colinas a serem aplainadas, os caminhos esburacados a serem nivelados simbolizam os empecilhos em nossas vidas a um seguimento mais radical e coerente de Jesus. Quem aceita sua mensagem terá de mudar radicalmente (isto é, na raiz) sua vida.
O Advento, embora não seja tempo de penitência no sentido que a Quaresma o é, torna-se tempo oportuno para uma revisão de vida, para descobrir quais são as curvas, as montanhas e as pedras que teremos de tirar para que o Senhor realmente possa habitar em nossos corações. O Papa Francisco indica um elemento a ser vivido mais profundamente na vida individual de todo cristão e na comunidade da Igreja: a misericórdia, tema tão caro ao autor do Terceiro Evangelho, e algo que, muitas vezes, falta em nossas relações, em todos os níveis.
O último versículo, “E todo homem verá a salvação de Deus” (vers. 6), faz eco ao tema lucano da universalidade da salvação, usando essa frase que não se encontra no texto paralelo de Marcos (1,3). Ninguém é excluído da mensagem e da oferta da salvação. Mas a resposta depende de cada um de nós!
Padre Tomaz Hughes, SVD, biblista e assessor da CRB e do Cebi. Dedicou-se a cursos e retiros bíblicos em todo o Brasil. Publicou diversos artigos e o livro “Paulo de Tarso: discípulo-missionário de Jesus”. Faleceu em 15 de maio de 2017. Suas reflexões bíblicas são muito atuais.