2º Domingo do Tempo Comum

“Façam tudo o que ele lhes disser”
João 2,1-11

A primeira parte do Quarto Evangelho é comumente chamada “O Livro dos Sinais”, pois o evangelista relata uma série de sete sinais que, passo por passo, revelam quem é Jesus e qual é sua missão. Embora algumas bíblias traduzem o termo grego que João usa por “milagre”, a tradução mais acertada é “sinal”. O primeiro desses sinais se deu no contexto das Bodas de Caná, o Evangelho de hoje. Como todo o Evangelho de João, o relato está carregado de simbolismo, em que pessoas, números e eventos funcionam simbolicamente para nos levar além da aparência das coisas, numa caminhada de descoberta sobre a pessoa de Jesus.

Um dos temas centrais do Quarto Evangelho é o da “hora” de Jesus. A “hora” não se refere à cronometria, mas a hora de glorificação de Jesus, por sua morte e ressurreição. Em resposta ao pedido feito por Maria (João nunca se refere a Ela pelo nome, mas pelo título “Mulher”), usando de uma maneira até estranha esse termo para sua mãe, João quer indicar que Jesus rejeita uma esfera meramente humana de ação para Maria, para reservar a ela um papel muito mais rico, ou seja, o da mãe de seus discípulos. Maria somente vai aparecer mais uma vez neste Evangelho: ao pé da Cruz, onde Ela e o Discípulo Amado assumem um relacionamento de Mãe e Filho. Devemos lembrar que o Discípulo Amado simboliza a comunidade dos discípulos do Senhor, ou seja, nós hoje.

Apesar de nossa tradição piedosa mariana, é importante não reduzir a ação de Maria no texto à de uma incomparável intercessora. Embora seja comum essa interpretação na devoção popular, não se sustenta do ponto de vista exegético. É melhor ver Maria aqui como discípula exemplar, pois embora a resposta de Jesus indique um distanciamento entre sua expectativa e a visão dele, Ela continua com confiança no Filho e leva outros a acreditar nele.

O simbolismo da água tornada vinho é também importante. Não é qualquer água, é a água da purificação dos judeus. Com essa história, João quer mostrar que, doravante, os ritos judaicos de purificação estão superados, pois a verdadeira purificação vem por Jesus. Podemos entender isso como a mudança de uma prática religiosa baseada no medo do pecado (uma prática que exclui muita gente), para uma nova relação entre Deus e a humanidade, a partir de Jesus. Assim, em Caná, Jesus começa a substituir as práticas do judaísmo do Templo, que vai continuar ao longo do Evangelho de João.

A quantia do vinho chama a atenção: 600 litros! O vinho em abundância era símbolo dos tempos messiânicos e, na tradição rabínica, a chegada do Messias seria marcada por uma colheita abundante de uvas. Assim, João quer dizer que a expectativa messiânica se realiza em Jesus. As talhas transbordantes simbolizam a graça abundante que Jesus traz. A figura do mestre-sala é também simbólica, bem como a dos serventes. Aquele que devia saber a origem do vinho da festa não sabia, enquanto estes, sim. Assim, o mestre-sala representa os chefes do Templo que não sabiam a origem de Jesus, enquanto os servos representam os discípulos que acreditaram nele.

Fazendo comparação entre o vinho antigo e o novo, João quer reconhecer que a Antiga Aliança era boa, mas a Nova a superou. Os ritos e práticas judaicos, ligados à purificação e ao sacrifício, não têm mais sentido, pois uma nova era de relacionamento entre a humanidade e Deus começou em Jesus.

O ponto culminante do relato está no versículo 11: “Foi em Caná que Jesus começou seus sinais, e os seus discípulos acreditaram nele”. A fé deles não é intelectual ou teórica, mas o seguimento concreto do Mestre, na formação de novos relacionamentos de amor. Passo por passo, o autor vai revelando Jesus por meio de sinais, para que nós, os leitores, possamos “acreditar que Jesus é o Messias, o Filho de Deus. E para que, acreditando, tenhamos a vida em seu nome” (João 20,31).

Padre Tomaz Hughes, SVD, biblista e assessor da CRB e do Cebi. Dedicou-se a cursos e retiros bíblicos em todo o Brasil. Publicou diversos artigos e o livro “Paulo de Tarso: discípulo-missionário de Jesus”. Faleceu em 15 de maio de 2017. Suas reflexões bíblicas são muito atuais.

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