“Desses dois mandamentos dependem toda a Lei e os Profetas”
Mt 22,34-40
No Evangelho deste domingo, temos mais uma das controvérsias do capítulo 22; desta vez, com os fariseus. De novo, a pergunta feita por um legista não é para descobrir a verdade, mas para armar uma cilada para Jesus. O verbo traduzido aqui como “para pô-lo à prova” é o mesmo usado no versículo 8 (“armar cilada”).
O que seria o maior mandamento era discutido entre as diversas escolas rabínicas da época. Para alguns, o maior era o amor a Deus; para a maioria, era a observância do sábado. O Antigo Testamento enfatiza a importância de amar a Deus e de amar o próximo (Lv 19,18 e Dt 6,5). A originalidade de Jesus está no fato de Ele assemelhar um ao outro, dando-lhes igual importância e, sobretudo, na simplificação e concentração da Lei (que tinha 613 mandamentos) nesses dois elementos. A colocação de Jesus exige uma forma correta de amor próprio: não de egoísmo, mas de autorrespeito. A ligação íntima dos dois mandamentos não é atestada antes de Jesus e marca um avanço moral importante.
Mais uma vez, Jesus desloca o eixo da questão, como fez no Evangelho do último domingo, na passagem sobre o imposto a César. Desta vez, Ele se recusa a entrar em discussões fúteis sobre leis, para enfatizar o papel central do amor, tanto a Deus como ao próximo.
É importante frisar que o “amor” de que Jesus fala não é um mero sentimento ou emoção, como muitas vezes é na linguagem de hoje. O amor é uma atitude de vida, uma fidelidade à Aliança com Deus, uma vivência solidária com os irmãos e irmãs. Obviamente, não é possível simpatizar-nos com cada pessoa nem gostar de cada pessoa. Mas é possível superar antipatias e aversões na caminhada da construção do projeto de Deus para nosso mundo.
A ligação essencial entre o amor a Deus e ao próximo se torna urgente hoje em dia, quando se dá tanto espaço a pregações intimistas e formas alienantes de “espiritualidade”, que muitas vezes não passam de uma busca disfarçada de autorrealização, mas que jamais levam a um compromisso com a transformação de nossa realidade. A frase de Jesus desautoriza qualquer pregação religiosa que separa o amor a Deus do amor ao próximo – um amor não somente afetivo (que talvez, muitas vezes, nem possa ser), mas efetivo, concretizando de maneira prática a solidariedade e a justiça.
O nosso texto nos adverte contra qualquer tendência alienante ou legalista. Os mandamentos não são para serem discutidos, mas vividos, no amor e compromisso. Para os rabinos do tempo de Jesus, o mundo todo dependia da Lei, do serviço no Templo e dos atos de bondade. Mateus faz com que a própria Lei dependa dos atos de amor solidário. Esse avanço feito por Jesus desafia a todos nós para que não caiamos na tentação perene de separar os dois aspectos do amor: não é possível amar a Deus sem que amemos o irmão, e o verdadeiro amor ao próximo brota de nosso amor a Deus.
Padre Tomaz Hughes, SVD, biblista e assessor da CRB e do Cebi. Dedicou-se a cursos e retiros bíblicos em todo o Brasil. Publicou diversos artigos e o livro “Paulo de Tarso: discípulo-missionário de Jesus”. Faleceu em 15 de maio de 2017. Suas reflexões bíblicas são muito atuais.