Amarás o Senhor teu Deus. Amarás o teu próximo.
Marcos 12,28b-34
Depois de uma caminhada marcada por muitas lições, altos e baixos quanto ao seguimento por parte dos discípulos, mudanças de estratégias, Jesus chega a Jerusalém. Nesse lugar, Ele seria julgado e vitimado pelos poderes políticos e religiosos e, em termos mais messiânicos, no trono da Cruz, assumiria seu reinado. Neste 31º Domingo do Tempo Comum, vemos, no diálogo do Senhor com o Mestre da Lei, mais uma grande catequese que Marcos dirige a suas comunidades e a nós, neste terceiro milênio.
O evangelista apresenta um diálogo entre dois mestres. De um lado, um representante da religião oficial; de outro, Aquele que não veio abolir a Lei e os Profetas, mas para dar-lhes pleno cumprimento (cf. Mateus 5,17). Diferentemente de outras passagens, nesta não há uma controvérsia entre Jesus e o especialista da Lei. Marcos narra um diálogo honesto e desarmado de ambas as partes. Quando a busca da verdade é feita na intenção de evoluir e não por vaidade, todos saem ganhando.
Naquele tempo, existiam 613 mandamentos segundo a tradição dos mestres de Israel. Deles, 365 diziam o que não se deveria fazer, e os outros 248 determinavam o que deveria ser feito (cá entre nós: na Igreja de hoje, temos muito mais normas, por isso é bom refletirmos primeiro antes de criticar o antigo costume judeu). Entre esses mestres, havia divergências em relação a qual dessas prescrições seria mais importante. Para um grupo, guardar o sábado era a principal, pois o próprio Criador cumprira esse preceito. Já outra linha defendia não haver uma hierarquia, pois mandamento era mandamento, e pronto!
Jesus, como um bom judeu, conhecia o principal, pelo menos no que se refere ao costume diário de recordar, em oração, a sentença presente em Deuteronômio (6,4-5): “Ouve, ó Israel! O Senhor, nosso Deus, é o único Senhor. Amarás o Senhor teu Deus de todo o teu coração, de toda a tua alma, de todo o teu entendimento e com toda a tua força”. Até então, nada de novidade. A inovação foi o elo que Jesus, usando o verbo “amar”, deu ao preceito de amar também ao outro e a si próprio: “Amarás o teu próximo como a ti mesmo”, baseando-se em Levítico (19,18). Colocar Deus, o próximo e si próprio em “seus devidos lugares” só pode ser feito sob a chave do amor.
Algo a merecer atenção quanto ao “amar a si próprio” é que, naquele tempo, não havia o conceito psicológico de autoestima, como modernamente conhecido. Por isso fica superficial, pelo menos com base na passagem de hoje, alguma meditação mais aprofundada nesse sentido.
Boa parte da resposta do mestre da Lei foi uma repetição das palavras de Jesus, um estilo bem próximo ao do evangelista Lucas. Mas há de se notar que a réplica do escriba foi respeitosa. O homem ainda acrescentou outra parte, recordando que o verdadeiro culto ao Senhor seria baseado no amor. Amar a Deus, ao próximo e a si “é melhor do que todos os holocaustos e sacrifícios” (vers. 33). Esse trecho é inspirado na profecia de Oseias (6,6): “Porque é amor que eu quero e não sacrifício, conhecimento de Deus mais do que holocaustos”.
O elogio de Jesus ao mestre da Lei, dizendo que este não estaria longe do Reino de Deus, pode trazer importantes informações catequéticas, bem ao estilo de Marcos. A imagem é curiosa, dando a impressão de esse reino ser um lugar, ideia talvez mais fluida nas comunidades assistidas por esse evangelista.
Estar perto do Reino não significava que aquele homem já o havia alcançado. Ele dera passos importantes, mas ainda não chegara “lá”. O evangelista estava abrindo uma concessão, pois, nas passagens seguintes, expôs severas críticas ao modo como os chefes da religião exploravam o povo: “Tomai cuidado com os doutores da Lei!” (Marcos 12,38 – um dos temas do Evangelho do próximo domingo), resume o tom das denúncias em sequência. Quem sabe não haveria membros da comunidade marcana (tal como nas de hoje) que estavam apenas “próximos” do Reino?
O amor, portanto, é a coluna do ensinamento do Senhor neste domingo. Que, por nosso amor aos irmãos e a nós mesmos, testemunhemos, sobretudo com nossos gestos e na simplicidade do cotidiano, o amor a Deus. Com a graça divina, possamos antecipar a justiça do Reino e alcançá-lo um dia.
Alessandro Faleiro Marques
Diácono permanente na Arquidiocese de Belo Horizonte, professor, editor de textos para as irmãs missionárias servas do Espírito Santo.