“Quando fizeram isso a um dos menores dos meus irmãos, foi a mim”
Mt 25,31-46
Hoje encerramos as celebrações dominicais do ano litúrgico com a Solenidade de Cristo Rei. O evangelho deste domingo é o famoso texto de Mateus 25, sobre o Juízo Final. Nesse texto, enfatiza-se a sorte eterna dos que optaram ou não pela vivência da “justiça do Reino dos Céus”.
O primeiro discurso do Evangelho, o Sermão da Montanha, enfatizou que quem vivesse essa justiça seria perseguido (5,12); o segundo discurso, o missionário, insistiu que os discípulos não deveriam ter medo diante dessas perseguições, sofrimentos e rejeição (10,23.28.31); o terceiro, as parábolas do Reino, ensinou a paciência e a perseverança diante do lento crescimento do Reino e da fraqueza da comunidade (13); o quarto, o discurso eclesiológico (ou da comunidade da Igreja), traçou as características da comunidade dos que procuram essa justiça. Agora, o último discurso, o escatológico (ou do fim último das coisas), mostra que a vivência dessa justiça será o critério de Deus para o julgamento final.
Ilustra-se, de uma maneira viva, o sentido da frase lapidar do Sermão da Montanha: “Se a justiça de vocês não for superior à dos doutores da lei e dos fariseus, não entrarão no Reino do Céu” (5,20). Jesus, o Rei, não pergunta sobre o cumprimento das leis de ritual e de pureza, tão caras aos doutores da lei e fariseus, mas sobre a prática da justiça do Reino, diante do sofrimento de tanta gente: famintos, sedentos, migrantes, esfarrapados, doentes e presos. A prática de solidariedade com os oprimidos é a única prova de uma verdadeira fé em Jesus e do seguimento fiel dele.
Esse texto não pode deixar de nos questionar, vivendo como estamos em uma sociedade cada vez mais excludente. Celebramos hoje Jesus como “Rei do Universo”. Mas Ele se torna rei da nossa vida somente conforme fazemos essa opção real pelos oprimidos e vivenciamos “a justiça do Reino do Céu”, tema central do Evangelho de Mateus.
Em um mundo que nos apresenta tantas outras opções “régias”, ou seja, opções que regem nossa vida e manifestam o que são nossos valores últimos, o texto nos leva a verificar se realmente Jesus é o Rei de nossa vida; se é o Evangelho dele que nos rege ou se o título não passa de mais um dos rótulos vazios, sem consequências práticas, tão queridos dos arautos de uma religião intimista, sentimentalista e individualista, tão em voga em nossos tempos.
Será que a utopia do Reino de Deus, o seguimento de Jesus até a Cruz, a prática da justiça do Reino são os elementos que norteiam as nossas práticas, individuais e comunitárias? Se não, então Jesus Cristo ainda não se tornou o Rei de nosso universo pessoal e eclesial. É o questionamento do texto de hoje, que nos lembra que Jesus não é rei conforme os padrões deste mundo, mas o Rei pobre e justo, tão esperado pelos oprimidos de todos os tempos.
A proposta de Jesus para a sociedade não é a confirmação de uma estrutura piramidal, conforme os modelos históricos, mas sua mudança radical para que o mundo seja regido por princípios de solidariedade e justiça, de partilha e fraternidade. Ele é Rei, no sentido da esperança dos “pobres de Javé” do Antigo Testamento, tão bem retratada pelo profeta Segundo Zacarias: “O seu Rei está chegando, justo e vitorioso. Ele é pobre, vem montado num jumento, num jumentinho, filho de uma jumenta. Ele destruirá os carros de guerra de Efraim e os cavalos de Jerusalém, quebrará o arco de guerra. Anunciará paz a todas as nações, e o seu domínio irá de mar ao mar, do Rio Eufrates até os confins da terra” (Zc 9,9ss). Jesus será o nosso rei conforme vivermos esses valores da verdadeira shalom, que inclui a paz, a não violência, a partilha e a justiça.
A crise atual no sistema financeiro mundial, com suas cifras astronômicas de apoio a bancos e banqueiros falidos, enquanto somente migalhas são destinadas aos bilhões de famintos e sofridos do mundo, demonstra bem como a sociedade atual é dominada pelos interesses do lucro e do capital, mesmo em países que se dizem cristãos. Estamos longe de um mundo onde Jesus Cristo seja realmente o Rei, regido pelos valores que Jesus encarnou em sua pessoa, projeto, ensinamento e opções, e que nós herdamos como discípulos, discípulas dele.
Padre Tomaz Hughes, SVD, biblista e assessor da CRB e do Cebi. Dedicou-se a cursos e retiros bíblicos em todo o Brasil. Publicou diversos artigos e o livro “Paulo de Tarso: discípulo-missionário de Jesus”. Faleceu em 15 de maio de 2017. Suas reflexões bíblicas são muito atuais.