“Se vós não vos converterdes, ireis morrer todos do mesmo modo”
Lucas 13,1-9
Essa passagem somente se encontra no Evangelho de Lucas e ensina os discípulos que Jesus é compassivo com as falhas, fraquezas e limitações humanas; mas que também tem exigências para quem quer segui-lo. Ele nos convida à conversão, antes que seja tarde demais.
O trecho começa com o relato feito por algumas pessoas, referente ao fato ocorrido em Jerusalém, quando Pilatos matou um grupo de galileus durante o sacrifício no Templo (não temos informações de outras fontes sobre esse acontecimento). Na época, sofrer desgraças como doença, pobreza ou morte prematura era visto como castigo de Deus por ser pecador. Podemos lembrar a pergunta feita a Jesus sobre o homem cego de nascença, no Evangelho de João (9,2): “Os discípulos perguntaram: ‘Mestre, quem foi que pecou para que ele nascesse cego? Foi ele ou os pais dele?’”. É a “teologia da retribuição”, pela qual Deus premia ou castiga segundo os méritos da pessoa, ou melhor, segundo o que o sistema vigente entende por mérito. Assim se anula a gratuidade e a bondade misericordiosa de Deus; e os excluídos da sociedade são vistos como culpados de seu próprio sofrimento.
Infelizmente essa teologia, tão antievangélica, está muito presente hoje, quando a prática religiosa ou o dízimo são entendidos como “investimento” para receber retornos de Deus. É claro que também essa teologia funcionava, e funciona, em favor da elite dominante, pois sua riqueza é explicada como proveniente da bênção de Deus e não como, frequentemente, resultado da exploração e, ou, de um sistema econômico injusto. Jesus não autoriza tal interpretação, e falando também de outro acidente em Jerusalém que matou dezoito (vers. 4), mostra que Deus não castiga assim.
Esses acontecimentos trágicos podem servir para que todos pensem na insegurança da vida e na urgência de conversão, enquanto ainda há tempo. Todos nós precisamos estar preparados para enfrentar o julgamento de Deus, mediante uma vida digna de discípulos.
Os versículos 6 a 9 formam a parábola da figueira. Muitas vezes, as parábolas comportam mais do que uma explicação válida. A parábola de hoje tem dois lados: como parábola de compaixão e como parábola de crise. Na primeira interpretação, Deus sempre dá ao pecador (simbolizado no texto pela figueira que não dava fruto) mais uma chance. Assim, toca em um tema central de Lucas, que é a misericórdia e a compaixão de Deus. Na segunda interpretação, mexe com os acomodados e desligados entre os discípulos, que só “esgotam a terra” (vers. 7), ou seja, estão na comunidade como peso morto, sem contribuir nada para ela. Tais pessoas devem converter-se para dar os frutos de uma vida do discipulado ou correrem o risco de serem cortadas da vinha do Senhor.
A Quaresma é um tempo oportuno para uma reflexão sobre nossa vida cristã, tanto como indivíduos como participantes de uma sociedade, cujas estruturas, muitas vezes, também não estão de acordo com a vontade de Deus, destruindo a nossa “casa comum”, o nosso planeta, por exemplo. É claro que todos nós somos pecadores e, então, em permanente necessidade de conversão. A parábola nos anima diante de nossas fraquezas, pecados e tropeços na caminhada, pois Deus é compassivo, e Jesus sempre nos convida a voltar ao bom caminho.
Por outro lado, a Quaresma também deve nos estimular para que busquemos na verdade os caminhos de conversão, descobrindo onde e como somos “figueiras sem frutos”, buscando o “adubo” (vers. 8) da oração, da Palavra de Deus, dos sacramentos, da Campanha da Fraternidade, para que voltemos a produzir os frutos devidos a verdadeiros discípulos e discípulas de Jesus.
Padre Tomaz Hughes, SVD, biblista e assessor da CRB e do Cebi. Dedicou-se a cursos e retiros bíblicos em todo o Brasil. Publicou diversos artigos e o livro “Paulo de Tarso: discípulo-missionário de Jesus”. Faleceu em 15 de maio de 2017. Suas reflexões bíblicas são muito atuais.