“Aplainai o caminho do Senhor”
Jo 1,6-8.19-28
Novamente a figura central do Evangelho deste domingo do Advento é o Precursor, João Batista. Desta vez, em um texto tirado do Evangelho do Discípulo Amado, o Batista é apresentado como testemunha de Jesus. Ele assume a identidade de quem veio gritar “Aplainai o caminho do Senhor”, usando uma frase tirada de Isaías (40,3). No texto de Isaías, essa frase é usada para preparar o Novo Êxodo, a volta dos exilados do cativeiro na Babilônia, no início do chamado “Livro da Consolação de Israel” (Is 40-55). A mensagem de João Batista também prepara o povo para um evento de grande alegria: a vinda do Messias, Jesus de Nazaré!
Nesse texto, já no primeiro capítulo do Evangelho de João, entram em cena os que serão mais tarde os adversários de Jesus: as autoridades dos judeus. Embora, às vezes, no Quarto Evangelho, o termo “os judeus” designe o povo de Israel em geral (Jo 3,25; 4,9.22, etc.), aqui, como na maioria das vezes, o termo significa os representantes de um mundo que não compreende e, eventualmente, hostiliza a Jesus. Nesse sentido, ele caracteriza especialmente as autoridades religioso-políticas do judaísmo da época: os sacerdotes, fariseus e escribas.
Atrás do texto, também dá para entrever a tensão que existia dentro da comunidade do Discípulo Amado entre os seguidores de João Batista e os de Jesus. Por isso a insistência no texto em informar que João “não era o Cristo”, mas testemunha do fato de que Jesus era o enviado de Deus.
No mais, o Evangelho retoma a mensagem do domingo passado (Mc 1,1-8), um convite para que todos nós preparemos o caminho do Senhor. “Aplainai o caminho do Senhor” significa facilitar a sua chegada entre nós, tirando de nossa vida tudo que possa impedir um encontro real com Jesus. No nível individual, aqui há um convite para uma conversão pessoal, que é um processo contínuo na vida de todos nós. Mas também há o desafio para que nos empenhemos na luta contra tudo o que possa diminuir a vida humana, tudo o que causa sofrimento a nossos irmãos e irmãs. Pois o pecado que existe no mundo não é somente pessoal, mas também social, muito mais do que a soma dos erros individuais. O pecado social se manifesta nas estruturas sociais injustas e opressoras, que tiram de tanta gente a dignidade dos filhos de Deus. A voz do Precursor, como a de Isaías, quinhentos anos antes dele, nos desafia para que nossa conversão pessoal também se manifeste no esforço para a construção de um mundo mais digno, justo, humano e fraterno, o mundo que Jesus veio estabelecer.
Padre Tomaz Hughes, SVD, biblista e assessor da CRB e do Cebi. Dedicou-se a cursos e retiros bíblicos em todo o Brasil. Publicou diversos artigos e o livro “Paulo de Tarso: discípulo-missionário de Jesus”. Faleceu em 15 de maio de 2017. Suas reflexões bíblicas são muito atuais.