“Ele é quem batizará vocês com o Espírito Santo e com fogo”
Lucas 3,10-18
A passagem trata da pregação de João Batista, que “Percorria toda a região do rio Jordão, pregando um batismo de conversão para o perdão dos pecados” (vers. 3).
O início do texto (vers. 10 a 14, que constam somente em Lucas) mostra bem sua teologia e contexto: não são os líderes religiosos que estão prontos para arrepender-se, mas o povo comum e até pessoas que estão à margem da sociedade, como cobradores de impostos e soldados. Mais adiante, no Evangelho, são essas as pessoas que responderão positivamente diante da pregação do próprio Jesus. Escrevendo para as comunidades pelos anos 80 a 85 d.C., Lucas quer lembrar aos cristãos que eles também devem estar abertos para achar sinceridade e bondade fora das vias “aceitáveis”, como o fizeram João e Jesus.
A frase lapidar do trecho é a pergunta que os diversos grupos formulam a João: “O que devemos fazer?”. Essa interrogação aparece mais vezes no Terceiro Evangelho, em Lucas 10,25 (na boca de um doutor da Lei) e 18,18 (uma pessoa importante); e também nos Atos dos Apóstolos 2,37 (os judeus, depois da pregação do Pedro), 16,30 (o carcereiro gentio de Filipos), 22,10 (Saulo, o perseguidor). Usando esse artifício, Lucas quer salientar que é uma pergunta que constantemente tem de ser feita durante nossa caminhada. Não há cristão que possa se dispensar de fazê-la sempre, por achar que já sabe a resposta.
É interessante que João, embora uma pessoa de cunho fortemente ascético, não exige sacrifícios ou práticas religiosas, como jejum e abstinência. Ele enfatiza uma exigência muito mais radical, que atinge o cerne de nosso ser: uma preocupação com os mais pobres, manifestada na busca de justiça e solidariedade. As Campanhas da Fraternidade seguem essa linha de João, pois, muitas vezes, é mais fácil abster-se de uma carne ou uma bebida do que engajar-se na luta por um mundo melhor.
Esse trecho traz à tona, mais uma vez, um dos temas principais do Evangelho de Lucas: o uso correto dos bens materiais. No fundo, João aqui prega antecipadamente o que, mais tarde, Jesus vai ensinar: a partilha dos bens com as pessoas que sofrem necessidades, a justiça nos relacionamentos econômicos e políticos, a conversão que se manifesta numa mudança radical da vida.
A segunda parte da passagem insiste que João é inferior a Jesus. João batiza com água como agente de purificação, mas Jesus usará a força purificadora maior do Espírito Santo e do fogo. Lucas vai mostrar em Atos dos Apóstolos, capítulo 2 (na história de Pentecostes), como o fogo do Espírito Santo cumpre sua missão nas pessoas.
O texto termina com a declaração de que “João anunciava, de muitos outros modos, a Boa Notícia ao povo” (vers. 18). O que João prega é tão semelhante ao que Jesus pregará e que também merece ser tachado de “Boa Notícia”. A boa notícia da chegada da misericórdia e da salvação de Deus, de uma forma gratuita, mas que exige resposta decidida de cada pessoa. É a crise existencial do mundo todo: aceitar ou rejeitar a salvação oferecida gratuitamente em Jesus. Para Lucas, essa decisão tem de ser renovada sempre, por meio da pergunta “O que devemos fazer?”, enquanto continuamos andando “pelo caminho”.
Padre Tomaz Hughes, SVD, biblista e assessor da CRB e do Cebi. Dedicou-se a cursos e retiros bíblicos em todo o Brasil. Publicou diversos artigos e o livro “Paulo de Tarso: discípulo-missionário de Jesus”. Faleceu em 15 de maio de 2017. Suas reflexões bíblicas são muito atuais.