4º Domingo do Advento

“Faça-se em mim segundo a tua palavra”
Lc 1,26-38

Maria de Nazaré é a terceira figura importante nas leituras do Tempo do Advento. O texto de hoje é riquíssimo e mereceria um tratamento muito mais pormenorizado. É essencial para entendermos a figura de Maria tal como apresentada nas Escrituras.

No esquema de Lucas, a anunciação à Maria se contrapõe àquela feita a Zacarias (Lc 1,5-22). Naquele relato, é feita a um sacerdote, idoso, no Templo. No texto de hoje, a uma moça, jovem, no dia a dia de um lugarejo, Nazaré. O sacerdote não acredita e fica mudo, simbolizando que os ritos do Templo não têm mais nada a dizer. Maria acredita e é proclamada “bendita entre as mulheres” (1,42).

Infelizmente, muitas vezes, este trecho é interpretado de maneira a nos apresentar uma Maria totalmente passiva, sem expressão. Ideologicamente, foi usado para insistir que as mulheres, no mundo e na Igreja, deveriam ficar passivas e sem expressão. Tal interpretação distorce totalmente o que Lucas quer nos dizer.

Maria, embora não entenda plenamente (Lc 1,29; 2,19; 2,50ss), aceita não somente ser instrumento da vontade de Deus, mas ser protagonista da realização desse plano divino. A frase “faça-se em mim” não deve ser interpretada de uma maneira passiva, mas como o grito de entusiasmo de quem quer ser colaboradora na realização da visão que Deus tem para o mundo. Não se refere somente ao fato de engravidar (isso seria muito pouco), mas à grande visão de Deus para os seus filhos e filhas.

Um pouco adiante Lucas vai mostrar o alcance dessa frase, quando, na boca de Maria, ele coloca o grande canto de libertação, que é o Magnificat. Não é possível entender a profundidade da frase de Maria, na Anunciação, sem ler também o Magnificat (1,46-55). O que Maria quer quando ela pede que seja feita nela a vontade de Deus? Ela quer a realização da viravolta no mundo, que é o advento do Reino de Deus, quando Deus vai “dispersar os homens de pensamento orgulhoso; precipitar os poderosos dos seus tronos e exaltar os humildes; cobrir de bens os famintos e despedir os ricos de mãos vazias” (1,51-53).

Em um mundo onde a realidade é a prepotência e a violência dos poderosos contra pobres e indefesos, e onde as mulheres, muitas vezes, estão na liderança da resistência, Lucas nos apresenta Maria como protagonista da concretização do Reino. Como ela, quem realmente quer receber o Salvador no Natal deve comprometer-se, de uma maneira concreta, na construção de um mundo novo, de justiça e fraternidade, tão contrário ao que vivemos hoje, em tantos lugares, e que Maria canta no primeiro capítulo de Lucas.

Padre Tomaz Hughes, SVD, biblista e assessor da CRB e do Cebi. Dedicou-se a cursos e retiros bíblicos em todo o Brasil. Publicou diversos artigos e o livro “Paulo de Tarso: discípulo-missionário de Jesus”. Faleceu em 15 de maio de 2017. Suas reflexões bíblicas são muito atuais.

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