“Sem mim, vocês não podem fazer nada”
João 15,1-8
Esse texto inicia a seção do Quarto Evangelho a qual tem os trechos que mais se aproximam dos discursos da vida pública de Jesus nos Evangelhos Sinóticos. Aqui temos um exemplo raro de uma parábola em João: a da vinha e dos ramos, uma metáfora que expressa o amor íntimo entre Jesus e seus discípulos. Em contraste, o segmento seguinte (15,18-16,4) vai tratar do ódio do mundo para com os seus seguidores.
No Antigo Testamento, frequentemente se retrata Israel como a vinha (ou videira) escolhida de Deus, que Ele tem cuidado com muito amor, mas que deu frutas amargas. Na primeira parte de João, vimos como Jesus substitui as instituições e festas judaicas; agora, Ele se manifesta como a vinha do novo Israel. Se ficarem unidos a ele, os cristãos darão somente frutos que agradarão ao vinhateiro, o Pai. No Antigo Testamento, muitas vezes, Deus ameaçava podar ou até desenraizar a vinha improdutiva. Embora a vinha do novo Israel não falhe, sempre haverá ramos secos a serem tirados e queimados.
A Bíblia sempre insiste que o fruto que Deus quer é a prática da justiça e solidariedade. Esse tema perpassa a Bíblia toda, tanto no Antigo como no Novo Testamento. Mas os cristãos somente poderão dar esse fruto agradável se ficarem unidos a Jesus, pois “sem mim, nada poderão fazer”. Mais uma vez, volta-se à ideia de que é pelos frutos que se conhece a árvore.
Assim, leva-nos a refletir sobre os frutos que mais de 500 anos de evangelização têm dado no Brasil e na América Latina, como fez alguns anos atrás a Conferência de Aparecida e o documento que foi publicado por ela. Com uma das piores distribuições de renda no mundo, com uma das maiores concentrações de terras nas mãos de poucos, com indígenas e pobres marginalizados, com tanta gente sofrida, talvez muita coisa tenha de ser podada pelo Pai para que realmente sejamos a verdadeira videira na vinha do Senhor.
Como dizia o mártir salvadorenho Dom Oscar Romero: “Uma religião de missa dominical, mas de semanas injustas não agrada ao Deus da vida. Uma religião de muita reza, mas de hipocrisias no coração não é cristã. Uma Igreja que se instala só para estar bem, para ter muito dinheiro, muita comodidade, porém que não ouve o clamor dos injustiçados não é a verdadeira Igreja do nosso divino Redentor” (Discurso de 4 de dezembro de 1977). Sem dúvida, há muita coisa realmente boa ocorrendo nas comunidades cristãs do Brasil bem como na sociedade civil em geral, mas o teste mesmo é a construção de uma sociedade baseada nos princípios de justiça, fraternidade e solidariedade, e não no lucro, competitividade e na lei da selva.
Hoje, diante da recessão mundial, um dos sentimentos mais comuns em todas as camadas da sociedade é a da impotência. Parece que estamos sem forças diante do rolo opressor do sistema hegemônico, do neoliberalismo, da globalização, das forças do mercado. Seria fácil cairmos na tentação de desistir da luta de melhorar a sociedade, pois os resultados parecem ínfimos. Por isso urge cada vez mais ficarmos unidos a Jesus, na oração e no compromisso, a Ele que parecia também um derrotado, mas que teve a vitória final na Ressurreição. Se sem ele nada podemos fazer, o contrário é também verdade: com ele tudo podemos! Talvez não da maneira que gostaríamos, mas, sem dúvida, como colaboradores dele na construção do Reino de Deus.
As dificuldades enfrentadas pelos movimentos populares em favor dos excluídos e pelos setores mais comprometidos das Igrejas (às vezes, dentro da própria Igreja), os sofrimentos dos mártires da caminhada e de suas famílias são podas, mas podas que darão mais fruto ainda. Como as forças opressoras do Império Romano, aliadas às elites do judaísmo, não conseguiram matar o projeto de Jesus, nem as forças opressoras de hoje conseguirão matar o crescimento do Reino entre nós, uma vez que fiquemos unidos a ele, e entre nós, pois Jesus mesmo nos disse “Sem mim, nada poderão fazer”.
Padre Tomaz Hughes, SVD, biblista e assessor da CRB e do Cebi. Dedicou-se a cursos e retiros bíblicos em todo o Brasil. Publicou diversos artigos e o livro “Paulo de Tarso: discípulo-missionário de Jesus”. Faleceu em 15 de maio de 2017. Suas reflexões bíblicas são muito atuais.