“Amem-se uns aos outros”
João 13,31-33a.34-35
O texto situa-se no contexto do último discurso de Jesus, na Ceia Pascal. Começa logo após a saída de Judas para trair o Senhor, depois que Jesus lhe disse “o que você pretende fazer, faça-o logo” (João 13,27). Com a licença oficial dada ao agente de Satanás para iniciar o processo que iria matá-lo, Jesus começa o processo de sua glorificação. Sua fidelidade ao projeto do Pai vai levá-lo à cruz, que, no Quarto Evangelho, não é um sinal de derrota, mas da vitória última e permanente de Deus. Por isso, a morte de Jesus, aparente vitória do mal, será a glorificação de Jesus e, nele, do Pai.
O anúncio de sua partida, para os judeus uma ameaça (vers. 33), é, para a comunidade de seus discípulos, um momento de emoção e carinho. Sua última dádiva a eles é um novo mandamento: “Eu dou a vocês um novo mandamento: amem-se uns aos outros. Assim como eu amei vocês, vocês devem se amar uns aos outros” (vers. 34).
O que há de novo nesse mandamento? O que diferencia a proposta de amor de Jesus e de seus seguidores de outras propostas já conhecidas? O mundo do tempo de Jesus, tanto na sociedade pagã como na judaica, conhecia propostas de amor mútuo. O mandamento de Jesus é novo, em primeiro lugar, porque ele se impõe como exigência essencial para entrar na comunidade “escatológica”. Essa é a comunidade que já experimenta a presença do Reino de Deus, mesmo que ainda espere sua plena realização, ou seja, uma comunidade que experimenta a salvação já realizada em Jesus enquanto ainda experimenta sua situação permanente de fraqueza. Também é novo porque não se fundamenta nas leis sobre o amor, da tradição judaica (por exemplo: Levítico 19,18 ou os documentos do Qumran), mas na entrega de si, de Jesus.
O modelo desse amor é o exemplo do próprio Jesus: “Assim como eu vos amei!”. E como Ele nos amou? Entregando-se até a morte, para que todos pudessem “ter a vida, e a vida plenamente” (João 10,10). Esse amor não é sinônimo de simpatia ou sentimento de atração. Exige humildade e a disposição para o serviço que leva a morrer pelos outros. Esse “morrer” normalmente não se expressa por uma morte física, mas morrendo diariamente ao egoísmo e à busca do poder dominador, para que sejamos servidores, especialmente dos mais humildes, a exemplo do Mestre que “não veio para ser servido, mas para servir” (Marcos 10,45).
Esse amor é tão fundamental para a comunidade dos discípulos de Jesus que deve se tornar seu sinal característico: “Assim todos reconhecerão que vocês são meus discípulos” (vers. 35). Mais do que uma lista de doutrinas, mais do que práticas litúrgicas ou rituais, embora essas tenham seu lugar, é o amor mútuo e concreto que deve distinguir os discípulos de Jesus.
Os Atos dos Apóstolos (11,26) nos lembram que “foi em Antioquia que os discípulos receberam, pela primeira vez, o nome de ‘cristãos’”. Receberam uma nova designação, da parte dos outros, porque sua maneira de viver era marcadamente diferente das outras comunidades religiosas da cidade: era marcada pelo amor mútuo. O Evangelho de hoje nos convida para que honestamente nos examinemos a nós mesmos, para verificar se esse amor-serviço ainda é a marca característica de nós, discípulos e discípulas de Jesus, em nossa vida individual e comunitária.
Padre Tomaz Hughes, SVD, biblista e assessor da CRB e do Cebi. Dedicou-se a cursos e retiros bíblicos em todo o Brasil. Publicou diversos artigos e o livro “Paulo de Tarso: discípulo-missionário de Jesus”. Faleceu em 15 de maio de 2017. Suas reflexões bíblicas são muito atuais.Pe. Tomaz Hughes, SVD