“Se alguém quer servir a mim, que me siga!”
João 12,20-33
O texto de hoje traz muitos elementos que têm eco nos textos sinóticos. Até uma leitura rápida vai trazer lembranças de seus textos sobre o seguimento de Jesus; por exemplo, Lucas (9,22-25): “Se alguém quer me seguir, renuncie a si mesmo, tome a sua cruz cada dia e me siga”, entre outros.
João faz uma redação conforme sua teologia e enfatiza que o seguimento de Jesus se dá no serviço a ele, ou seja, na luta em favor de seu projeto. Todo o Evangelho de João manifesta que o serviço a Jesus se dá no serviço aos irmãos e irmãs. Não é possível servir Jesus sem se colocar a serviço dos outros, especialmente dos mais sofridos. Pois o projeto de Jesus de fidelidade ao Pai vai custar-lhe a vida, Ele será como o grão do trigo que, se não cai na terra e não morre, fica sozinho; “mas, se morrer, produz muito fruto” (vers. 24). Não que Jesus quisesse a morte e o sofrimento, mas são inerentes no seguimento do projeto do Pai, por causa da oposição garantida de grupos de interesse da sociedade do seu (e do nosso) tempo, e, apesar das aparências, não levam à derrota, mas à vitória. Jesus não veio para ser triunfalista, mas para dar a vida em favor de todos.
Essa visão que Jesus tinha da missão do Messias não era a comum. Em geral, as pessoas daquele tempo esperavam um messias triunfante, glorioso e guerreiro. A Bíblia nos conta que Deus criou o homem e a mulher à sua imagem e semelhança; mas, na verdade, muitas vezes, nós criamos Deus à nossa imagem e semelhança, para que Ele não nos incomode. A nossa tendência é de querer vencer e nos impor, de seguir um messias triunfante e não o Servo Sofredor. Mas, para Jesus, não há meio-termo. O discípulo tem de andar nas pegadas de seu mestre: “Se alguém quer servir a mim, que me siga” (vers. 26).
O seguimento de Jesus leva à cruz, pois a vivência das atitudes e opções dele vai nos colocar em conflito com os poderes contrários ao Evangelho. Mas é importante compreender o sentido de “carregar a cruz”. Não é aguentar qualquer sofrimento. Se fosse assim, a religião seria masoquismo! Carregar a cruz é viver as consequências de uma vida coerente com o projeto do Pai, manifestado em Jesus.
Segui-lo não é tanto fazer o que Jesus fazia em sua época e situação social e cultural, mas o que Ele faria se estivesse aqui hoje, diante dos desafios de nossa sociedade, convivência e situação concreta. Isso o levou a ser assassinado, não pelo povo, mas por grupos de interesse bem claros, “os anciãos, os chefes dos sacerdotes e os doutores da Lei” (a elite dominante em termos econômicos, religiosos e ideológicos), e, do mesmo jeito, seus seguidores entrarão em conflito com os grupos que hoje representam os mesmos interesses dos oponentes de Jesus, sejam eles sociopolíticos, econômicos ou religiosos (normalmente tudo vem misturado!). Por isso, sempre haverá a tentação de criarmos um Jesus “light”, sem grandes exigências, limitado a uma religião intimista e individualista, sem consequências sociais, políticas, econômicas ou ideológicas. Seria cair na tentação de Pedro, conforme o relato sinótico, quando rejeita o seguimento de um Messias que dará sua vida (Marcos 8,32).
Mas que Jesus queremos seguir? A resposta se dará não tanto com os lábios, mas com as mãos e os pés. Respondemos quem é Jesus para nós por nossa maneira de viver, por nossas opções concretas, por nossa maneira de ler os acontecimentos da vida e da história. Tenhamos cuidado com qualquer Jesus que não seja exigente, que não traz consequências sociais, que não nos engaja na luta por uma sociedade mais justa. Há pouco tempo, fiquei triste ao ouvir uma senhora que tinha deixado a Igreja Católica para aderir a uma Igreja da teologia de prosperidade (na verdade, uma empresa multinacional) e exclamar “Agora achei o Jesus que eu queria”. Sem dúvida, o Jesus que ela queria, mas não o Jesus real! Pois o Jesus real, Jesus de Nazaré, o Jesus do Evangelho, não foi assim e deixou bem claro: “Quem tem apego à sua vida vai perdê-la; quem despreza sua vida neste mundo vai conservá-la para a vida eterna” (vers. 25). É claro que aqui se usa um semitismo (o contraste com o “apegar-se” é expresso no verbo “desprezar”, o que significa “amar menos”). Essa opção é difícil.
Embora João não relate a agonia no Horto, ele expressa a mesma realidade quando Jesus diz “Estou perturbado” (vers. 27). Mas o Pai lhe deu força, como dará a quem faz a opção real pelo Reino, no seguimento de Jesus, no serviço aos irmãos e irmãs, na construção de uma sociedade, Igreja e comunidade sem exclusões, onde todos tenham a possibilidade de ter a dignidade e vida plena dos filhos e filhas de Deus e de cidadãos da sociedade.
Padre Tomaz Hughes, SVD, biblista e assessor da CRB e do Cebi. Dedicou-se a cursos e retiros bíblicos em todo o Brasil. Publicou diversos artigos e o livro “Paulo de Tarso: discípulo-missionário de Jesus”. Faleceu em 15 de maio de 2017. Suas reflexões bíblicas são muito atuais.