“Amem-se uns aos outros”
João 15,9-17
Poucos trechos do Evangelho de João são tão conhecidos como o de hoje, pelo menos pelas diversas frases lapidares tecidas dentro dele. Sobressai o tema básico do “amor” como a característica que deve distinguir os discípulos e discípulas de Jesus.
O amor é um dos temas preferidos da sociedade atual, como mostram os nossos cantos, poemas e novelas, mesmo que seja mais na fala do que na prática. Por isso, torna-se necessário recuperar o sentido profundo do amor nos evangelhos. Até um estudo rápido mostra que o termo tem outro sentido do que aquele que a nossa sociedade liberal e consumista lhe atribui. Na sociedade atual, o amor não passa de um sentimento agradável, uma emoção, quando não de um egoísmo disfarçado. Tendo como base a emoção, torna-se temporário, volúvel, sem consistência, descartável. Passado o sentimento, termina o amor. Uma das consequências dessa visão pós-moderna é o alto índice de divórcios, de separações, de desistências de tudo que é compromisso, pois a base é como areia movediça, não sustenta o peso do dia a dia.
O amor ao qual Jesus nos conclama tem outro sentido: é o amor “como eu os amei”. Como foi que Ele nos amou? Dando sua vida por nós. O amor se torna uma atitude de vida e não um sentimento. A comunidade dos discípulos e discípulas (a Igreja) deve ser uma comunidade de pessoas comprometidas com o projeto de Jesus, que veio “para que todos tivessem a vida e a vida plenamente” (João 10,10). A comunidade cristã deve ser muito mais do que um grupo de amigos e companheiros (oxalá fosse isso também, pois frequentemente nem isso é!), deve ser uma comunidade enraizada no amor de Jesus, que é a encarnação do Deus da vida, animada pelo seu Espírito e dedicada a criar o mundo que Deus quer.
A pedra de toque de uma comunidade cristã então não será o sentimento e a emoção, mas os frutos que ela dá, frutos que devem permanecer (vers. 16) e que não devem evaporar com a instabilidade dos sentimentos. Tal comunidade vai ser comunidade de vida e partilha, da justiça e solidariedade, da verdadeira paz e dedicação. Saberá ultrapassar os limites da mera simpatia e atração para assumir a vida de cada irmão e irmã como expressão do amor do Pai.
É interessante que, embora o trecho se situe no contexto da véspera da Paixão, Jesus fala da alegra, e da alegria completa. É impressionante como, em um mundo que propõe a satisfação imediata pessoal e a “felicidade já” como metas, garantidas pelo consumo e pelas posses, há tanta gente desanimada, triste, insatisfeita e deprimida. Quantos jovens, mesmo (ou talvez especialmente) nas classes mais abastadas, irrequietos e perdidos na vida! Pois a alegria não vem somente das posses e dos bens materiais, e uma vida baseada sobre eles vai necessariamente elevar à frustração. Mas também há muita gente, muitas vezes com uma vida sofrida e difícil, que irradia a verdadeira alegria e profunda paz, pois as suas vidas são alicerçadas sobre a rocha: uma vida de amor verdadeira, na doação de si, na busca de uma vida digna para todos. A sociedade do consumo nos aponta um caminho para a felicidade: sempre ter mais, em uma busca individualista de felicidade, que só pode nos levar à alegria falsa dos shows de Faustão ou Sílvio Santos. Jesus nos aponta o caminho para a verdadeira alegria: uma vida de amor-doação, de busca da justiça e solidariedade, que tem a alegria não como meta, mas que a traz como consequência.
Não há nenhum mandamento “simpatizai-vos uns com os outros”, mas há o mandamento do amor. Para isso precisamos de uma vida fortemente fundamentada no Evangelho e no seguimento de Jesus, pois, se não a temos, será impossível sustentá-la. Jesus nos quer como “amigos” e não servos, ou seja, pessoas que livremente assumem seu projeto. Assim assinala que a religião não deve ser simplesmente o cumprimento de uma série de leis e regulamentos, mas o seguimento de um projeto de vida, continuadora de sua missão no mundo atual. Um projeto além de nossas forças humanas, pelo qual precisamos do dom sempre renovado do Espírito Santo, um dom que nos é garantido, pois, como diz o texto: “O Pai dará a vocês qualquer coisa que vocês pedirem em meu nome” (vers. 16). É um projeto que nos coloca na contramão da sociedade atual, mas que nos garante uma vida realizada e plena, que os falsos ídolos do consumismo são incapazes de nos dar. “O que mando é isto: amem-se uns aos outros” (vers. 17).
Padre Tomaz Hughes, SVD, biblista e assessor da CRB e do Cebi. Dedicou-se a cursos e retiros bíblicos em todo o Brasil. Publicou diversos artigos e o livro “Paulo de Tarso: discípulo-missionário de Jesus”. Faleceu em 15 de maio de 2017. Suas reflexões bíblicas são muito atuais.