6º Domingo da Páscoa

“Eu lhes dou a minha paz”
João 14,23-29

A porta de entrada do texto é o versículo anterior, em que Judas (não o Iscariotes) pergunta a Jesus, durante a Última Ceia, “Por que vais se manifestar a nós e não ao mundo?” (vers. 22). Jesus dá a resposta: o Pai vem morar no cristão que guarda sua Palavra, pois suas palavras são as do Pai. O mundo (aqui entendido como o antirreino, não o mundo físico) não ama a Deus. A presença de Deus somente pode ser experimentada por quem o ama. Não é possível amar Deus sem guardar sua Palavra.

O versículo 26 traz a segunda predição no Último Discurso da vinda do Paráclito (João 14,15). Aqui se focaliza mais seu papel de ensinamento, um ensinamento que clarifica o que Jesus ensinou. Ele vai fazer com que os discípulos “lembrem” tudo o que Jesus disse. Aqui, “lembrar” significa a capacidade de entender o verdadeiro sentido das palavras e ações de Jesus, depois da ressurreição (João 2,22; 12,16). O Espírito Santo, aqui descrito como Paráclito (no sistema judicial grego, o Paráclito era o advogado da defesa), não trará ensinamento que seja independente da revelação de Jesus. Ele vai preservar os discípulos de erro e guardá-los perto de Jesus.

Com esse dom, Jesus deixa sua paz a sua comunidade. Ele usa a palavra tradicional dos judeus para a paz: shalom. É uma paz baseada na vinda do Espírito, que será atualizada na noite de Páscoa, quando dirá “A paz esteja com vocês! Recebam o Espírito Santo” (João 20,21-22). Enfatiza que não é a paz como o mundo a entende, muitas vezes simplesmente como a ausência de briga. Com frequência, a paz que o mundo dá é aquela falsa, que depende da força das armas para reprimir as legítimas aspirações do povo sofrido, como tantos países experimentaram durante as ditaduras de direita e de esquerda.

O shalom é tudo o que o Pai quer para seu povo. Somente existe quando reina o projeto de vida de Deus. Implica a satisfação de todas as necessidades básicas da pessoa humana, da libertação da humanidade do pecado e de suas consequências. Como dizia o saudoso Papa São Paulo VI, “Justiça é o novo nome da paz!”. O shalom dos discípulos não pode ser perturbado pelo fato de sua partida, pois é pela volta do Filho para o Pai que o shalom vai se instalar.

A verdadeira paz, o shalom, é um dom de Deus, mas precisa da colaboração humana. Diante de tantas barbaridades hoje, de tanta violência no campo e na cidade, da exploração do latifúndio, da impunidade, qual deve ser a atitude do cristão? Se nós acreditamos no shalom, nunca podemos compactuar com sistemas repressivos ou elitistas que tiram da maioria (ou de uma minoria) os direitos básicos que pertencem a todos os filhos e filhas de Deus. Às vezes, esse shalom convive ao lado do sofrimento e perseguição por causa do Reino, mas quem experimenta na intimidade a presença da Trindade, também experimenta a verdade da frase do texto de hoje: “Não fiquem perturbados nem tenham medo” (vers. 27), pois, disse Jesus, “Eu venci o mundo”.

Por isso devemos sempre “fazer a memória de Jesus” (aqui se destaca o momento privilegiado da celebração eucarística), de sua pessoa e de seu projeto, para que tenhamos critérios certos para verificar a presença (ou ausência) do shalom em nossa sociedade e nos comprometemos com a criação do mundo mais justo que Deus quer.

Padre Tomaz Hughes, SVD, biblista e assessor da CRB e do Cebi. Dedicou-se a cursos e retiros bíblicos em todo o Brasil. Publicou diversos artigos e o livro “Paulo de Tarso: discípulo-missionário de Jesus”. Faleceu em 15 de maio de 2017. Suas reflexões bíblicas são muito atuais.

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