6º Domingo do Tempo

“O Reino de Deus lhes pertence”
Lucas 6,17.20-26

As pessoas que buscavam Jesus eram o retrato de um povo que sofria as consequências de uma sociedade injusta (pobre, abandonado, sem saúde). Mas, além de buscar a cura, Lucas salienta que eles foram “ouvir Jesus”. Foram porque a mensagem dele falava a seus corações, animava-os, dava-lhes coragem, fazia com que eles se sentissem valorizados e experimentassem, de perto, a presença do Deus que ama os pobres. Acostumados com o desprezo, o abandono, o legalismo religioso, achavam em Jesus um aconchego, uma aceitação, a dignidade, o ânimo. Hoje será que se acham esses elementos em nossas celebrações e pregações?

Jesus olhou para seus discípulos e falou: “Felizes de vocês, pobres, porque o Reino de Deus lhes pertence. Felizes de vocês que agora têm fome, porque serão saciados. Felizes de vocês que agora choram, porque hão de rir. Felizes de vocês se os homens os odeiam, se os expulsam, os insultam e amaldiçoam o nome de vocês por causa do Filho do homem. Alegrem-se nesse dia, pulem de alegria, pois será grande a recompensa de vocês no céu, porque era assim que os antepassados deles tratavam os profetas” (Lucas 6,20-23). Enfatizando o termo “vocês”, Lucas salienta que as qualidades dos que são considerados “bem-aventurados” devem existir nos discípulos, nas discípulas.

Diante de um grupo de pobres, famintos, tristes, sem-terra, sem-teto, teríamos coragem, a partir de nosso bem-estar, de pronunciar estas palavras: “Felizes de vocês, os pobres, os famintos, os aflitos, os odiados”? Não seria uma ofensa aos sofredores? Sim, seria, a não ser que proclamadas por alguém que, como Jesus, estivesse realmente empenhado na luta por um mundo mais justo, onde os injustiçados fossem libertados das correntes de opressão. Seria ofensiva, a não ser que pronunciadas por alguém que realmente sentisse compaixão diante de seu sofrimento (e não somente “pena”).

Jesus podia pronunciar essas palavras, pois tinha assumido a condição de um pobre, estava solidário com eles e se dedicava a eles. Devolvia-lhes seu valor e sua dignidade e revelava-lhes o verdadeiro rosto do Deus da libertação, ofuscado pela religião legalista oficial do tempo. Ele não romantizava a pobreza: os pobres não são felizes por serem pobres (a miséria, a falta do necessário para uma vida digna nunca é coisa boa), mas porque o Reino de Deus é deles. O verbo aqui está no tempo presente (nas outras bem-aventuranças, está no futuro). O Reino já é deles, pois sua única esperança, em sua pobreza, em sua impotência, é Deus e, diante de seu sofrimento, Ele opta por eles.

Mas, a palavra de Jesus não é somente para confortar os aflitos; é também para afligir os confortáveis. Ai de nós, os discípulos, se nós somos acomodados, fechados no egoísmo e na fartura, elogiados e aceitos por uma sociedade injusta, porque não a questionamos nem a incomodamos: “Mas ai de vocês, os ricos, porque já têm a sua consolação! Ai de vocês, que agora têm fartura, porque vão passar fome! Ai de vocês que agora riem, porque vão ficar aflitos e vão chorar! Ai de vocês, se todos os elogiam, porque era assim que os antepassados deles tratavam os falsos profetas.” (Lucas 6,24-26). Não é negativo ter o suficiente, ter alegria, mas se torna pecado quando nos fechamos em nosso mundo de autossuficiência e ficamos insensíveis diante do sofrimento alheio.

Nas bem-aventuranças, Lucas é mais contundente que Mateus. Não dá trégua; quer que fique claro que o seguimento de Jesus exige opção pelos pobres e marginalizados, independentemente de sua condição moral, religiosa ou legal, e também desligamento da sociedade materialista e consumista, que procura esconder a realidade da opressão e exclusão, anestesiando a consciência. Ai de nós, os discípulos, se isso acontecer! Teria eu coragem para proclamar esse trecho diante de pobres e diante de ricos? Como diz a Bíblia Pastoral: “Não é possível abençoar o pobre sem libertá-lo da pobreza. Não é possível libertar o pobre da pobreza sem denunciar o rico para libertá-lo da riqueza”.

Padre Tomaz Hughes, SVD, biblista e assessor da CRB e do Cebi. Dedicou-se a cursos e retiros bíblicos em todo o Brasil. Publicou diversos artigos e o livro “Paulo de Tarso: discípulo-missionário de Jesus”. Faleceu em 15 de maio de 2017. Suas reflexões bíblicas são muito atuais.

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