8º Domingo do Tempo Comum

“A boca fala do que o coração está cheio”
Lucas 6,39-45

Um dos principais sinais de fidelidade dados por um verdadeiro discípulo ou discípula de Cristo é a coerência entre discurso e gestos. Esse é o tema central do Evangelho na liturgia deste 8º Domingo do Tempo Comum. Por várias vezes, a Palavra de Deus nos alerta para a tentação de sermos meros adeptos de uma filosofia, uma ideologia, uma teologia estéril. Nossa missão é seguir os passos de uma pessoa: Jesus.

Originalmente, a palavra “hipócrita”, de origem grega, referia-se, entre outros significados, a “ator”. Esse artista “transforma-se” em um personagem, quase sempre bem diferente da pessoa que o interpreta. No maravilhoso mundo das artes, é algo comum, mas não o deveria ser para a realidade de um batizado, batizada.

A passagem contemplada neste domingo é a conclusão do ensinamento do Nazareno aos recém-chamados discípulos, conhecido como o “Discurso da Planície”, característico do Evangelho de Lucas (em Mateus, ocorre na montanha). Após escolher os que o ajudariam pastorear o povo, o Senhor lhes dá várias instruções e advertências as quais valem também para nossos tempos (veja os evangelhos dos dois últimos domingos).

A primeira é estar de olhos abertos para conhecer os caminhos e orientar os irmãos e irmãs confiados a nós. É necessária a vigilância do discipulado, obtido sobretudo na escuta atenta, na oração, no estudo. Caso contrário, tudo se torna apenas discurso, levando à ruína os “guias-personagens”, os guiados e a própria mensagem, que se torna vã (vers. 39).

A outra é reconhecer quem é o verdadeiro mestre, não nos colocando em seu lugar. Cada um, à sua maneira, é chamado, chamada a colaborar na obra do Senhor (e não a nossa), por isso devemos ter o cuidado de não falar por nós mesmos, ocultando o exemplo e lições do próprio Filho de Deus. O legítimo discípulo deve ter a humildade de colocar-se aos pés de Jesus para receber a boa instrução e, assim, agir como o Mestre (vers. 40) (veja também Lucas 10,38-42).

O terceiro alerta diz respeito à hipocrisia, ou seja, ser um discípulo apenas na aparência, cometendo os mesmos erros das autoridades religiosas judaicas daquele tempo. Quem age assim é levado a achar-se superior aos outros. Essa era uma fraqueza daquele povo que, com soberba, sabia-se o escolhido de Deus, mas se esqueceu de ser luz das nações (Isaías 42,6; 49,6). Infelizmente, muitos dos primeiros seguidores de Jesus herdaram esse raciocínio, por isso o Mestre os adverte para esse perigo. Vestir-se desse personagem leva a pessoa a ignorar as próprias falhas e a julgar e condenar o próximo, muitas vezes com fraquezas bem menores. A hipocrisia é a trave a prejudicar a visão.

Nestes nossos tempos de julgamentos rápidos, superficiais, quase sempre sem a devida base, nesta era de curtidas, “descurtidas” e “cancelamentos” em um clique, as palavras do Senhor soam atualíssimas. É um grande contratestemunho saber de cor rubricas e cânones, mas não ter sequer ideia de quantos irmãos e irmãs estão feridos pelos arredores, ter destreza para buscar os “abusos litúrgicos” e os “relativistas”, mas ser conivente com situações de miséria e injustiça. Em nome de um “zelo” pela Igreja, ser lobo e não ovelha. Nunca é demais recordar: o sermão da planície foi dirigido antes aos discípulos e discípulas, de ontem e de hoje.

Uma das revoluções do cristianismo foi dirigir o olhar também para nossa essência, figurada como o “coração”. O que fazemos ou falamos deve refletir o profundo de nosso ser. Não há espaço para encenação, mas para uma sacratíssima autenticidade.

“Toda árvore é reconhecida pelos seus frutos” (vers. 44). De nós deve emanar o bem, mesmo nos desafios (veja a primeira leitura deste domingo: Eclesiástico 27,5-8), pois somos convocados a aprender com o Mestre, o Senhor da Vida. Iluminados pelo Evangelho, esta é uma ocasião para nos ver no espelho, avaliando se nossas ações condizem com nossas palavras e fé. Quais frutos nós e nossas comunidades têm produzido? Com que credibilidade anunciamos o reinado de Deus? Estejamos despertos e peçamos a força e a graça de pregarmos, com nossa própria vida, o verdadeiro Evangelho.

Alessandro Faleiro Marques
Diácono permanente na Arquidiocese de Belo Horizonte, professor, editor de textos para as irmãs missionárias servas do Espírito Santo, membro da Equipe de Espiritualidade da Província Brasil Norte das SSpS.

Leave a Reply

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *