Transição, maturidade e autoestima

O ciclo da vida do ser humano ocorre dentro de dois grandes e principais eventos: o nascimento e a morte. Para a psicanálise, entre esses dois eventos, existem quatro fases do desenvolvimento: a infância, a adolescência/juventude, a fase adulta e a velhice. A natureza biológica e psíquica oferecem condições para que a transição entre essas fases ocorra de forma natural e saudável, levando esse ser humano à maturidade e proporcionando a autoestima de cada um. Alguns fatores são importantes para esse processo: ambiente, família, bem-estar físico, entre outros. Neste artigo, veremos como a transição e a maturidade, assim como a autoestima ocorrem em cada fase. Daremos especial atenção às duas primeiras fases do desenvolvimento humano: infância e adolescência/juventude.

A fase da infância é uma fase delicada. A vivência saudável (ou não) dessa fase implicará as outras três. O ser humano, desde o nascimento, experimenta um momento importante de afetividade, amor, apego, segurança e confiança, durante a gestação. Após o nascimento, ele explora o próprio corpo e o ambiente externo. Aos poucos, vai se percebendo como indivíduo. O desapego do corpo da mãe proporciona que ele se afirme e se desenvolva de maneira progressiva. Aos poucos, o bebê percebe que há outras pessoas no ambiente, que sua mãe e seu pai não são exclusivos dele, percebe o amor dos irmãos, dos avós, dos tios, enfim, do mundo a seu redor. Em seguida, vêm o lúdico e o ambiente escolar que complementam esse desenvolver-se. Se vivido de maneira saudável, a transição ocorrerá de maneira também saudável. Isso inclui ter tempo para ser criança e para brincar. 

Se o ambiente familiar e o ambiente externo, no entanto, não forem adequados ao desenvolvimento, é possível que teremos “eternos bebês”. Isso quer dizer que o que era saudável para um bebê ou para uma criança em sua primeira ou segunda infância (egoísmo, egocentrismo, narcisismo, etc.), aos poucos, tem de dar lugar à transição para a outra fase do desenvolvimento: a adolescência/juventude. Caso contrário, teremos adultos egoístas, egocêntricos, narcisistas, inseguros e infantis.

O início da adolescência varia quanto a vários fatores: gênero, ambiente e cultura. Isso quer dizer que a idade cronológica, nesse caso, não é tão determinante, mas sim o comportamento. O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) (Lei nº 8.069/1990), considera que a adolescência vai dos 14 aos 18 anos. É a fase da despedida do lúdico para assumir algumas obrigações formais, como escola, tomadas de algumas decisões que podem ser pequenas, mas exigentes. A frase aversiva desse tempo é “você não é mais uma criança”. 

Também nesse tempo, aceleram-se as mudanças físicas: o corpo muda e vai ganhando definições, a produção de hormônios se acelera. Os relacionamentos afetivos marcam a convivência entre pares. O erotismo e a sexualidade são aspectos delicados e, muitas vezes, mal compreendidos pelos adolescentes. São mal compreendidos também por muitos pais e professores. 

A necessidade de se autoafirmarem como indivíduos, de mostrar personalidade própria pode gerar conflitos com os pais. Muitas vezes, o adolescente não quer ser igual ao pai, ou igual à mãe, como ele fazia na infância. É também um tempo de muita ansiedade e variação de humor passageiro. 

Isso tudo é muito saudável para a maturação e transição para a próxima fase. No entanto, exige das pessoas do convívio, paciência, compreensão e um pouco de preparo para lidar com as inconstâncias e os conflitos da fase. 

Algumas lacunas da fase anterior, da infância, tentarão ser preenchidas inadequadamente nessa fase: por exemplo, a falta de atenção dos pais agora será preenchida no comportamento na escola, pela aplicação do bullying e da violência escolar contra colegas, funcionários e professores. Mais ainda, alguns pais, na tentativa de compensar as necessidades da sua própria infância, “deram tudo o que eles mesmos não tiveram” e, com isso, criaram filhos mimados e intolerantes a frustrações. Eles são reconhecidos nos adolescentes e jovens “filhinhos de papai” ou nas “patricinhas mimadas” e até nos jovens abusadores. 

A fase da juventude é conhecida também como adolescência tardia. Também é conhecida como início da fase adulta.

A fase adulta é um tempo marcado pela maturação fisiológica. O corpo completa seu desenvolvimento. Psicologicamente, é um tempo de amadurecimento. Além das responsabilidades novas, colhe-se o que se plantou nas duas fases anteriores. Como afirma Contardo Calligaris (2010): “Numa psicanálise, descobre-se que a vida adulta é sempre menos adulta do que parece: ela é pilotada por restos e rastos da infância”. A fase adulta é marcada por decisões com caráter permanente na vida profissional e afetiva.

A última fase, a velhice, é uma fase ainda incompreendida pela sociedade, pela juventude, pelos estudos acadêmicos e pela mídia. Numa cultura capitalista, a sociedade tem pouco a oferecer e pouca inclusão das pessoas que estão nesta faixa etária. Psicologicamente a última fase, a velhice é uma fase também de colheitas do que se plantou na juventude. 

“Se o envelhecimento ocorre com sentimento de produtividade e valorização do que foi vivido, sem arrependimentos e lamentações sobre oportunidades perdidas ou erros cometidos, haverá integridade e ganhos, do contrário, um sentimento de tempo perdido e a impossibilidade de começar de novo trará tristeza e desesperança” (ERIKSON; ERIKSON, 1998, p. 91).

Portanto, a transição, a maturidade e autoestima dependem da dinâmica psíquica de cada indivíduo. Esta tem influência do ambiente cultural e social e principalmente do ambiente familiar. Felizmente, cada indivíduo tem a possibilidade de mudar essas influências. 

O desenvolvimento humano é como uma viagem com quatro paradas, quatro estações: infância, adolescência/juventude, fase adulta e velhice. Cabe a cada um planejar essa viagem para que ela seja prazerosa e, assim desfrute, da chegada e não tenha de sobreviver com o que sobrou, ou seja, não tenha de sobreviver com o resto ou improvisar uma estada para ser feliz. 

Pode-se mudar a letra da canção “Epitáfio”, dos Titãs: 

Devia ter amado mais

Ter chorado mais 

Ter visto o sol nascer 

Devia ter arriscado mais 

E até errado mais 

Ter feito o que eu queria fazer 

Queria ter aceitado 

As pessoas como elas são 

Cada um sabe a alegria 

E a dor que traz no coração.”

PARA SABER MAIS

CALLIGARIS, Contardo. Para que serve a psicanálise? Folha de São Paulo, São Paulo, Ilustrada, 26 ago. 2010. Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/fsp/ilustrad/fq2608201022.htm#:~:text=Numa%20psican%C3%A1lise%2C%20descobre%2Dse%20que,restos%20e%20rastos%20da%20inf%C3%A2ncia

ERIKSON, E. H.; ERIKSON, J. M. O ciclo da vida completo. Porto Alegre: Artes Médicas, 1998. 

MINISTÉRIO DA SAÚDE. Biblioteca Virtual em Saúde. 13/7 – Dia do Estatuto da Criança e do Adolescente. Brasília: Ministério da Saúde, s.d. Disponível em: https://bvsms.saude.gov.br/13-7-dia-do-estatuto-da-crianca-e-do-adolescente/#:~:text=Segundo%20o%20ECA%2C%20%C3%A9%20considerado,e%2018%20anos%20s%C3%A3o%20adolescentes

TITÃS. Epitáfio. (Sérgio Britto, comp.). In: A melhor banda de todos os tempos da última semana. [CD] Warner, 2001. Disponível em: https://www.google.com/search?gs_ssp=eJzj4tVP1zc0TDMyS082Kik2YPTiSC3ILElMy8wHAF0sB8Q&q=letra+de+tit%C3%A3s+epit%C3%A1fio&rlz=1C1SQJL_enBR888BR888&oq=epitafio&aqs=chrome

Aparecido Luiz de Souza, SVD.

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