A amizade social para construir a paz

A busca pela paz é um anseio universal, um ideal que move indivíduos e povos de todos os tempos. No entanto, para a concretização da paz, precisamos transcender a ausência dos conflitos armados mais “evidentes” bem como efetivar e “afetivar” [1] uma teia complexa de relações baseadas no respeito, na compreensão e na solidariedade. Numa reflexão a respeito da paz que emerge a amizade social, não só como um conceito fundamental, mas como um motor propulsor para a edificação de sociedades mais justas, equitativas, fraternas e, consequentemente, pacíficas e pacificadoras. 

O Papa Francisco, em sua encíclica Fratelli tutti (2020), elevou a amizade social à “soberania” da reconstrução do mundo, porém seu alcance é, e deve ser, muito mais amplo. Definiu-a como a capacidade de sonhar e de construir, que não exclui ninguém e que ainda está para além de qualquer diferença ideológica, cultural ou religiosa (Francisco, 2020, n. 99). 

Essa visão do Papa implica ir além de uma mera tolerância, mas, sim, uma busca que ativa o encontro com o outro e sua intrínseca dignidade, bem como com a valorização da diversidade como fonte de enriquecimento. 

Para construirmos a PAZ por meio da amizade social, é imprescindível que desenvolvamos a capacidade de uma escuta ativa e atenta, e de um diálogo autêntico. Em um mundo marcado por polarizações e discursos de ódio, a disposição para acolher o outro pela escuta do que tem a dizer, mesmo que suas ideias divirjam das nossas, é um importante passo. E o diálogo não visa à anulação das diferenças, mas sim às convergências, à compreensão dos aspectos divergentes e à construção de pontes onde antes havia muros. 

Ainda, a amizade social exige o desenvolvimento da empatia. Não só como um colocar-se no lugar do outro, mas como um acolher o outro conforme sua condição de SER, tentar compreender/acolher suas dores, alegrias, desafios e aspirações, o que fomenta um vínculo humano mais profundo e basilar. Quando conseguimos enxergar a humanidade em quem é diferente de nós, tendemos à diminuição dos estereótipos e da hostilização. A empatia nos leva ao reconhecimento de que, não obstante nossas particularidades, todos compartilhamos a mesma condição humana e aspirações por uma vida digna e plena. 

Outro elemento vital da amizade social é a promoção da justiça social. A paz não pode florescer em um ambiente de desigualdade e exclusão. A fome, a miséria, a falta de acesso à saúde e à educação geram ressentimento e desespero, o que impele à minimização dos esforços para uma coexistência pacífica. A amizade social nos impulsiona à luta por um mundo onde todos tenhamos oportunidades, onde os direitos humanos sejam respeitados, onde a dignidade de cada indivíduo seja garantida, onde a justiça possa alcançar o status de equidade. Porém isso envolve ações concretas de solidariedade, a defesa de políticas públicas inclusivas e a desconstrução de estruturas que perpetuam a injustiça. 

A amizade social se manifesta na construção de pontes que ligam todos ao perdão, à vivência da caridade, à experienciação da esperança e à concretude do AMOR. 

Em sociedades marcadas por feridas históricas e conflitos passados, a capacidade de superar ressentimentos e buscar a reconciliação é essencial. O perdão não significa esquecer o passado, mas sim “elaborá-lo” de modo a promovermos a libertação da prisão do ódio e da vingança, para um caminho de reconstrução de laços e de um futuro comum. É um processo que pode ser doloroso, mas que é necessário para a quebra de ciclos de violência e de um recomeço sobre bases mais sólidas. 

A amizade social não é apenas uma ideia (por vezes, inalcançável), mas, sim, um projeto concreto, contínuo e desafiador. Que exige um compromisso individual e coletivo para transcender preconceitos, promover o diálogo, exercitar a empatia, lutar pela justiça e equidade, e cultivar o perdão e o amor. 

Se enxergarmos o outro como um irmão, uma irmã, e ao construirmos relações baseadas no respeito mútuo, na solidariedade e na busca do bem comum, a amizade social vai se tornar a argamassa que une/unirá os tijolos da paz, na pavimentação do caminho para um mundo mais harmonioso. 

 

Nota

 

[1] De “afeto”; neologismo necessário.

 

Para saber mais

 

PAPA FRANCISCO. Carta Encíclica Fratelli tutti do Santo Padre Francisco sobre a fraternidade e a amizade social. Vaticano, 2020. Disponível em: https://www.vatican.va/content/francesco/pt/encyclicals/documents/papa-francesco_20201003_enciclica-fratelli-tutti.html. Acesso em: 7 jul. 2025.

 

Donizeti Pessi 

Pós-doutor e doutor em Educação, mestre em Teologia, especialista em Filosofia Contemporânea, licenciado em Filosofia e Pedagogia. Professor e orientador da educação básica e ensino superior (Colégio e Faculdade Sant’Ana), professor na Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG), Paraná.

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