“Tomai cuidado com os mestres da Lei! Eles gostam de andar com roupas vistosas…” (Mc 12,38)
No evangelho deste domingo, os mestres da Lei (escribas) e a viúva constituem dois símbolos que encarnam maneiras de viver diametralmente opostos. Os primeiros se movem sob o impulso do poder e da vaidade, querendo oferecer uma imagem ostentosa e buscando reconhecimento, privilégios e dinheiro através de qualquer meio, inclusive usando da religião. Jesus denuncia as “largas túnicas” que costumam utilizar, nos ambientes mais diferentes, como sinal distintivo de superioridade.
No nível mais profundo, podemos considerar os “mestres da Lei” como símbolos do ego (religioso) que, carentes de interioridade, vivem em função de suas próprias necessidades e interesses narcisistas.
Por outro lado, a imagem da viúva representa a pessoa capaz de doar e de entregar-se (“tudo o que possuía para viver”), de maneira generosa e desapegada.
O contraste que o relato realça deixa transparecer o que cada um de nós vive em nosso interior. Em nós convivem o melhor e o pior, e em diferentes “doses”, tanto o “escriba” (o ego que gira constantemente em tono a si mesmo) como a “viúva” (a dimensão profunda que vive na compreensão e se expressa no amor que se entrega).
O evangelista Marcos só precisou de sete versículos para mostrar duas realidades de alto contraste e que põem em evidência duas formas de situar-se na vida e na religiosidade.
O relato deste domingo começa situando Jesus em seu ministério pedagógico. Como verdadeiro Mestre, ensinava às pessoas, ensinava com transparência e a partir da liberdade que o caracterizava. Nesta ocasião, seu ensinamento se converte em um conselho imperativo: “tomai cuidado com os mestres da Lei”. E dá razões pelas quais é preciso proteger-se das atitudes deles.
Certamente os escribas eram os “experts” e intérpretes oficiais e lícitos da Escritura. Gozavam de grande autoridade; buscavam sempre serem vistos e admirados; vestiam de forma especial; Jesus os denuncia porque eles gostavam de andar pelas praças com vestes exuberantes. Não é casualidade que também os denuncie como aqueles que “devoravam os bens das viúvas”, pois costumavam persuadi-las, demonstrando serem muito devotos para administrar seus bens e aproveitar-se delas.
Eles são justamente o contrário daquilo que Jesus vem pregando; o conflito está armado. Estes líderes religiosos revelam a superficialidade na vivência e no compromisso de sua fé. Uma religiosidade baseada na aparência, na conservação de uma posição sociocultural, em manter um lugar visível e hierárquico, em alimentar um ego inflado e enaltecido que os conduz a viver de modo egocêntrico e egoísta.
O seguimento de Jesus, no entanto, é um modo de viver descentrado, um compromisso existencial, onde não prevalece a ambição do ego, mas o esvaziamento e a saída de si mesmo para centrar-se no cuidado e no serviço aos demais.
A ambição e a atitude dos “mestres da Lei” não se extinguirão nunca, nem sequer nas comunidades cristãs. Ainda hoje, a figura do “mestre da lei” continua atuante, sobretudo quando os “ministros” (ordenados e não ordenados) insistem no uso exagerado de vestimentas exóticas que têm sua origem no modo de vestir dos poderosos do Império Romano. Tal insistência parece indicar a necessidade, consciente ou inconsciente, de manifestar posição de poder ou uma carência de interioridade. A “cultura da exterioridade” e da busca do reconhecimento revelam o “complexo de pavão”, quando predominam a preocupação com as aparências, o espetáculo visual, a insistência em ser o centro das atenções nas celebrações, em buscar o elogio e serem admirados por todos.
Diante do espetáculo visual dos “mestres da lei”, o evangelista Marcos apresenta uma nova situação: a viúva que colocou duas moedinhas no cesto das ofertas e que servirá de contraste para compreender a mensagem de Jesus. Esta mulher é muito mais que uma viúva que depositou uma insignificância no cesto. Jesus realça esta figura simbólica que rompeu os esquemas patriarcais e religiosos dos poderosos judeus e, neste caso, dos escribas. Um simples gesto recuperou a dignidade de uma mulher que, por ser mulher, não tinha nenhuma visibilidade e, por ser viúva, estava numa posição de indigência absoluta, segundo a visão judaica.
O gesto dela desvela a essência do coração da nova comunidade de Jesus: um abandono e confiança em Deus, uma gratuidade plena, um amor solidário, generosidade. Ela não tem poder algum, nem cargos, nem possui “dignidade eclesiástica” alguma; a única coisa que possui é um coração generoso, mas isso conta pouco nas instituições de poder. Para Jesus, o centro da comunidade cristã não é o poder e nem são os poderosos, mas as pessoas simples, a fé e o bom coração dos humildes e misericordiosos.
Jesus admira a pobre viúva. Eles não se conheciam; ela não é discípula, nem cristã…, ela é uma mulher, dos pés à cabeça, que fiel à sua consciência, deposita tudo no Templo, cujo “deus”, manipulado pelas autoridades religiosas, a exclui de quase tudo por ser mulher; no entanto, ela sabe, no fundo de suas entranhas, que Deus não é como propagam aqueles que a oprimem e alimentam uma vaidade vazia, mas é Aquele revelado pelos profetas e salmos, e a Ele se entrega e confia totalmente.
A generosidade desta mulher não está baseada numa obrigação moral, nem em um gesto público para ser aplaudido, mas se apoia na consciência de sua dignidade que a mobiliza a entregar tudo o que ela considera que deve doar.
Jesus já tinha estado no Templo, purificando-o e expulsando aqueles que ocupavam o lugar de Deus. No relato de hoje tudo é diferente; Ele não está irado e tenso, mas se admira da viúva despojada; isso lhe dá força e convoca os seus discípulos para clarear as ideias deles e dizer-lhes onde está o verdadeiro amor e a autenticidade de vida cristã; e que não se enganem, porque o discípulo e a discípula devem ter em Deus seu tesouro.
Ao contemplar a pobre viúva, talvez Jesus pensasse em sua mãe, em todas as mulheres pobres que, ao longo da história, mantêm os lares, as comunidades cristãs, visitam os doentes, partilham o pão com famintos e, sempre com um detalhe nobre: com ternura, com dignidade, com compaixão. Esta viúva, contemplada por Jesus, continua caminhando por nossas ruas e paróquias, anônimas, mas com um coração generoso. Porque é essa capacidade de entregar tudo sem medida que converte uma pessoa em discípula de Jesus.
Jesus nos convida a olhar este exemplo vivo para ilustrar o modo de nos situar no seu seguimento, em contraste com os escribas e fariseus. Critica estes personagens, certamente, mas propõe uma alternativa: a de uma vida conectada à dignidade e que tem como consequência gestos de entrega, de simplicidade e liberdade. O modo de viver a vida e a fé não é questão de quantidade, das vezes que repetimos os ritos, das vezes que fazemos gestos generosos, do dinheiro que doamos ou outros atos repetitivos que vão se esvaziando de sentido. É muito mais uma questão de qualidade, de uma autoconsciência de nos percebermos enraizados numa Presença Providente que nos mobiliza a colocar toda a nossa realidade humana sob a influência da sua energia criadora.
Texto bíblico: Mc 12,38-44
Na oração: o Evangelho desvela dois personagens que habitam nosso interior; o doutor da lei, centrado em si mesmo, vive da aparência, usa da religião para se projetar, para brilhar… É a cultura da vaidade, da exterioridade… Por outro lado, a pobre viúva representa aquilo que, em nosso interior, não valorizamos ou rejeitamos, mas que, na sua pobreza e humildade, desvela-se diante de Deus com um coração generoso. Não pensa em si, mas nos outros; partilha tudo o que tem. Não busca a glória e o elogio.
– Qual dos dois personagens eu alimento? Vivo da aparência e da vaidade ou do descentramento e serviço?
– O que em mim é “doutor da lei”? O que em mim é “pobre viúva”?
Diretor do Centro de Espiritualidade Inaciana (CEI).