A Cruz de Cristo ilumina nossas cruzes

A cultura de nosso tempo é a forma de vida chamada de “Pós-modernidade” e se contradiz com a cultura da Cruz de Jesus. Ao mesmo tempo, ela oferece oportunidades e desafios para a missão da Igreja. No nível macro ou coletivo, se quisermos seguir o exemplo de Jesus, a Igreja deve se encarnar, de forma crítica, na Pós-modernidade. Muito mais que atualizar o jeito de ser cristão, requer testemunho e coerência de todos. No nível micro (individual), requer mudança radical de vida, pois, se quisermos seguir as características básicas de ser luz de Cristo, precisamos de discernimento do Espírito, a fim de podermos distinguir entre o pecado e a justiça, o certo e o errado, o bem e o mal, a verdade e o erro em nossa cultura e sociedade; e da compaixão, para podermos anunciar o Evangelho da salvação às pessoas que estão escravizados pelos poderes do pecado e da morte, e que caminham cegas, como ovelhas perdidas, sem pastor. Caso contrário, seguiremos uma religião sem Deus.

Para que a Cruz de Cristo ilumine nossas cruzes, faz-se necessário que nos esvaziemos de nossos preconceitos e ideologias, e assumamos nossa vida finita e limitada ao mistério. Pois a Cruz de Cristo nos remete a um grande mistério. Ela se remete, de um lado, a uma situação de crueldade, dor e morte; e, por outro, à Ressurreição. Isso torna o grande mistério da fé. Quando se abraça, com amor, a vida e todos os seus desafios, a força do Cristo, que venceu a morte e a dor, resplandece gloriosa, e nós também fazemos a experiência de que a morte ou o sofrimento não vencem. Assim, assumir nossa cruz, que é a missão de Cristo no serviço ao Reino, torna-se convite à fé cristã e faz de nós homens e mulheres pascais, capazes de passar continuamente da morte à vida.

A Cruz de Cristo ilumina o enfrentamento de nossa cruz. Isso estará sempre na tomada de consciência, em todo momento, nas infinitas possibilidades criadas pelo amor de Deus. No âmbito individual, ocorre quando há uma dificuldade na saúde. Será aproveitada para oferecer tudo o que se vive, sem deixar de lado os necessários cuidados, com os meios oferecidos pela ciência de nosso tempo. Uma crise familiar ressoará no coração como apelo a sair de si mesmo, para amar e servir com maior dedicação. No âmbito coletivo, as muitas situações sociais e econômicas, do emprego à política ou outros problemas, tudo haverá de ser enfrentado com maior serenidade, passando continuamente da morte à vida. Até as crises de fé, individuais ou coletivas, poderão ser enfrentadas em paz pelas pessoas que começam a sair de si, para amar e servir ao próximo, entregando-se e confiando na força que brota da Cruz de Cristo, com a qual a luz comparece de novo nos caminhos da existência.

Desse modo, ao contemplar a Cruz, que é o lugar de redenção, podemos experimentar os primeiros impulsos do “homem novo”, recriado por Deus. Pedagogicamente, é pela oração dirigida ao Cristo na Cruz, vencedor do pecado do mundo, que deverá ser seguida por uma oração de ação de graças: “Graças sejam dadas a Deus, por Jesus Cristo nosso Senhor” (Romanos 7,25). Depois, devemos então recorrer a Nossa Senhora. Aquela que esteve aos pés da Cruz e acolheu os desígnios que Deus nos coloca em nosso caminho. O homem e a mulher novos que querem viver segundo a lei de Deus, mas sofrem no homem e na mulher velhos que se sentem retidos pela lei da carne buscam, na Virgem, o triunfo da redenção, mostram-se como as criaturas perfeitas que o pecado não sujou e que são estabelecidas na espontaneidade da graça.

Mais do que nos dirigir às Pessoas Divinas, ao Verbo encarnado ou a Nossa Senhora, devemos definitivamente “seguir e imitar nosso Senhor”, portanto fazer nossa essa história da salvação do mundo. Significa viver uma vida simples, descontraída. Significa fazer escolhas. E a escolha de ser seguidor de Cristo é sempre uma decisão difícil. Para garantir essa escolha, requer-se ordenar os afetos desordenados; buscar viver a vida conforme a vontade de Deus e as exigências próprias de seu Reino. Por fim, buscar salvar a alma, que significa escolher, de preferência, o único amor do Salvador, os meios que ele próprio escolheu: pobreza, humilhação, aniquilamento de si.

O Cristo levantado na Cruz esteve para que todos vejam nele quanto Deus amou o mundo entregando o seu Filho unigênito; levantado na Cruz, Ele implorou perdão ao Pai pelos seus algozes que não “sabem o que fazem”, jeito próprio da misericórdia divina de perdoar. Levantado na Cruz, Ele deu cumprimento ao oráculo do Senhor Javé ao profeta Ezequiel: “Deus não quer a morte do pecador, e sim que ele se converta e viva” (cf. Ez 18,23-32).

 

Padre Domingos Chagas

Eremitério São Miguel, Maringá-PR.

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