Por ocasião do dia 1º de abril, data nacionalmente conhecida como o “dia da mentira”, a Equipe de Comunicação SSpS Brasil conversou com pesquisadores, estudiosos e estudiosas da área da Comunicação para saber sobre os conceitos de mentira e fake news, e como estas se inter-relacionam.
Professor da Escola de Comunicações e Artes (ECA) e do Programa de Pós-Graduação em Estética e História da Arte da Universidade de São Paulo, jornalista, mestre e doutor em Ciências da Comunicação pela mesma instituição, Vinícius Romanini explica que as fake news estão relacionadas com a nova realidade da esfera digital, das formas de relação nas redes sociais. É um conteúdo que circula nas redes e é produzido intencionalmente para gerar desinformação.
“O conceito de desinformação é mais importante que o conceito de mentira, uma vez que, nas fake news, a mentira é uma parte relativamente pequena de todo o conteúdo, ou seja, quem gera fake news se baseia em muitos fatos verdadeiros, mas introduz uma interpretação viciada, errônea, mal-intencionada, de forma a levar o receptor desse conteúdo a acreditar numa coisa que, na verdade, não é expressa pelos fatos”, afirma Romanini.
O professor assegura que se pode criar fake news falando apenas verdades. Pode-se encontrar um conjunto de dados com relações entre eles que não têm relação de causa-efeito, mas é possível atribuir a essas correlações uma causalidade e convencer as pessoas de que esta é fato social. Isso é fake news.
Por exemplo, uma comunidade de periferia, por ser uma região violenta, onde as pessoas são negras, o conteúdo falso ou as fake news seria dizer que as pessoas negras tendem a ser mais violentas. Ou seja, o fato de, estatisticamente, haver mais pessoas negras e as periferias terem mais violência não implica numa correlação verdadeira de causa-efeito de que, numa comunidade que tem maior número de pessoas negras, a tendência à violência é maior. Isso é tipicamente desinformação.
Boa parte das fake news são construídas com base em dados verdadeiros, mas, na verdade, são relacionados de forma mal-intencionada para gerar preconceitos, distorção moral, uma tendência a uma eleição, etc.
Fake news e cidadania
Sobre as consequências das fake news no processo de construção da cidadania e da justiça social, de maneira singular, no Brasil, a doutoranda em Ciências da Comunicação pela Escola de Comunicação e Artes (ECA), da Universidade de São Paulo (USP), Márcia Ohlson, atesta que o Brasil tem uma sociedade extremamente polarizada em termos políticos. Ela explica que a desinformação é uma arma usada por diversos agentes para desestabilizar ainda mais esse cenário.
“Fica muito difícil estabelecer um consenso quando não se tem a verdade factual como guia das nossas condutas. A desinformação pode desvirtuar de tal modo a conduta da sociedade até o ponto de levar as pessoas a votarem no candidato X ou Y baseadas em mentiras. Isso é muito grave e traz efeitos deletérios à nossa democracia”, afirma a professor.
A mentira e a formação do caráter
Doutorando do Programa de Pós-Graduação em Ciências da Comunicação da Universidade de São Paulo, Leonardo Ripoll conceitua a mentira como um processo comunicativo como qualquer outro. “Às vezes, ela não tem nenhuma consequência séria, como quando alguém pergunta ‘Tudo bem com você?’ e você responde ‘Tudo’, mesmo estando irritado ou talvez triste com algo. Trago esse exemplo bem simples para chamar atenção para o fato de que não somos literais o tempo todo, e isso não quer dizer que estamos prejudicando alguém ou que temos algum defeito de caráter”, esclarece.
“Uma boa educação pode fornecer elementos constitutivos para o sujeito que são fundamentais em seu processo de comunicação e de relação com o mundo em que ele está inserido. A família, nesse sentido, pode ser um facilitador muito importante desse caminho”, alega Ripoll.
Ao ser questionado se é importante a Igreja se ater ao cuidado com as fake news no processo evangelizador, Leonardo Ripoll responde que sim, uma vez que é composta por indivíduos e, portanto, sujeita à falha inerente à condição humana. “Entendo que as instituições, de forma geral, precisam compreender profundamente a sua responsabilidade social em relação a qualquer assunto que esteja constituindo a sociedade em determinado momento”, declara.
Sobre o “dia da mentira” propriamente dito, comemorado em 1º de abril, Ripoll ressalta que parece haver uma mudança nos últimos anos em relação à data. “Se antes parecia ter um tom jocoso, quando era comum muitas brincadeiras e ‘pegadinhas’ durante a data, hoje a graça está ficando em segundo plano. A mentira tem trazido mais preocupações do que descontração.”
Márcia Ohlson, por sua vez, recorda que, após o “dia da mentira”, o dia 2 de abril foi institucionalizado como “Dia Internacional da Checagem dos Fatos” (International Fact-Checking Day). A data foi estabelecida pela Rede Internacional de Checagem de Fatos (International Fact-Checking Network – IFCN), uma entidade global que reúne organizações de verificação de fatos em todo o mundo. “O objetivo do Dia Internacional do Fact-Checking é aumentar a conscientização sobre a importância da verificação de fatos e promover a precisão e a transparência na informação.”
Rosa M. Martins
Mestra em Jornalismo, Imagem e Entretenimento pela Fundação Cásper Líbero, licenciada em Filosofia pela Universidade Salesiana de Lorena (Unisal), bacharela em Teologia pela Pontifícia Universidade São Boaventura de Roma. É missionária scalabriniana e vive em Santo André-SP. Indicada ao Prêmio Tarso Genro de Jornalismo em 2020, foi vencedora do Prêmio Papa Francisco, categoria mestrado, do Prêmio CNBB de Comunicação, com a dissertação “Menores estrangeiros não acompanhados: uma análise da representação no fotojornalismo italiano”, em 2021. Trabalhou no Dicastério da Comunicação (nos setores Rádio Vaticano, Vaticanews e transmissão televisiva), como jornalista estagiária, em 2023. É assessora executiva da CRB-SP. É ativista dos direitos humanos e assessora de pastorais na Igreja do Brasil.