“60% dos jovens de periferia sem antecedentes criminais
Já sofreram violência policial
A cada 4 pessoas mortas pela polícia, 3 são negras
Nas universidades brasileiras, apenas 2% dos alunos são negros
A cada 4 horas, um jovem negro morre violentamente em São Paulo
Aqui quem fala é Primo Preto, mais um sobrevivente”
(Racionais MC’s – Capítulo 4, Versículo 3)
Em 20 de novembro, comemora-se o Dia da Consciência Negra no Brasil, uma forma de reconhecer a luta da comunidade negra em um país extremamente desigual e racista. No entanto, ao observar a data apenas por sua singularidade, corre-se o risco de reduzir toda essa luta a um único dia. É como se, nos outros 364 dias do ano, a sociedade brasileira continuasse a operar sob a mesma estrutura racista que historicamente moldou suas bases sociais.
É evidente que ter um dia de reflexão em um cenário tão complexo como o do Brasil é necessário, pois ajuda a fixar na memória coletiva a história e a resistência de um povo. Entretanto, é fundamental não limitar essa data a um símbolo momentâneo de mudança social, mas aprender a reescrever a história do Brasil diariamente, em todos os momentos e espaços. Essa tarefa é de responsabilidade de toda a sociedade, pois a luta antirracista deve permear todas as relações sociais.
Por isso é essencial construir uma sociedade antirracista, que reconheça que grande parte das desigualdades no Brasil foi forjada sob a égide das relações entre a casa-grande e a senzala; relações que, lamentavelmente, persistem. E essa transformação deve começar na escola. Apesar dos desafios e do baixo reconhecimento da educação por parte da sociedade, a escola continua sendo um espaço crucial para a mudança e a construção de novos caminhos, sobretudo dentro de um círculo decolonial que apresenta não apenas o lado dos colonizadores, mas o de todos os povos.
Ignorar ou não aprofundar uma educação antirracista nas escolas é perpetuar a estrutura racista da sociedade. É comum observarmos currículos engessados que reforçam essa segregação racial. Por exemplo, ao estudar a História do Brasil, os negros frequentemente são apresentados apenas como povos escravizados, enquanto se omite sua rica herança cultural e ancestral. Em disciplinas como Filosofia, os estudantes têm acesso quase exclusivamente ao pensamento europeu e, em Língua Portuguesa, desconsidera-se a diversidade linguística construída pela riqueza cultural do País, impondo valores eurocêntricos. Afinal, a maior parte do conhecimento ensinado foi produzida por homens brancos que detinham o poder e decidiram os rumos da história. Essa lógica se aplica a quase todos os componentes curriculares.
Por que a escola deve ser o ambiente de mudança? Porque ela não está à margem da sociedade; ela é a sociedade. A escola é o palco das mudanças e das projeções futuras. Durante muito tempo, porém, foi o espaço de reprodução de uma política de branqueamento implementada no período pós-Abolição. O historiador Lourenço Cardoso define a branquitude como um lugar de privilégios materiais e simbólicos, no qual a população branca tem vantagens por não ser submetida às mazelas do racismo, que recaem principalmente sobre a população negra.
Apesar disso, a Lei n.º 10.639, de 9 de janeiro de 2003, que tornou obrigatório o ensino da História e da Cultura Afro-Brasileira e Africana nas escolas públicas e privadas, representou um importante avanço na luta antirracista. Contudo essa lei ainda é, muitas vezes, celebrada apenas no dia 20 de novembro, transformando-se em um “totem” pedagógico em muitos espaços, com discussões vazias.
Na tentativa de cumprir a legislação, muitas escolas acabam cometendo equívocos na construção de seus materiais didáticos. Um exemplo disso é a inclusão de conteúdos sobre a luta antirracista de maneira pontual e isolada, como se fosse uma “parada” no período letivo para tratar do tema, o que reforça a ideia de que a luta antirracista é algo segmentado e não um processo contínuo.
A professora Djamila Ribeiro enfatiza que a luta antirracista somente é possível quando todos se colocarem no lugar do outro, pois a empatia exige esforço. Dessa forma, a luta antirracista não pode ser isolada; ela deve ser contínua e protagonizada por todos.
A educação antirracista, portanto, não deve ser vista como um projeto temporário, mas como uma prática cotidiana, incorporada como um elemento fundamental na promoção da justiça, da equidade e, sobretudo, da democracia.
A educação antirracista é aqui e agora. Não se trata de um ideal distante, mas de um modelo que desconstrua práticas pedagógicas excludentes e garanta que todos os estudantes, independentemente de sua origem, tenham acesso à valorização de sua história, cultura e, sobretudo, ancestralidade.
A educação antirracista precisa ser vivida!
A educação antirracista é aqui e agora…
Para saber mais
BRASIL. Lei nº 10.639, de 9 de janeiro de 2003. Altera a Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional, para incluir no currículo oficial da Rede de Ensino a obrigatoriedade da temática “História e Cultura Afro-Brasileira”. Diário Oficial da União, Brasília, 10 jan. 2003. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2003/l10.639.htm. Acesso em: 20 dez. 2024.
BRASIL. Lei nº 11.645, de 10 de março de 2008. Altera a Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, modificada pela Lei nº 10.639, de 9 de janeiro de 2003, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional, para incluir no currículo oficial da rede de ensino a obrigatoriedade da temática “História e Cultura Afro-Brasileira e Indígena”. Diário Oficial da União, Brasília, 11 mar. 2008. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2008/lei/l11645.htm. Acesso em: 20 dez. 2024.
CARDOSO, Lourenço; MULLER, Tânia Mara Pedroso. Branquitude: estudos sobre a identidade branca no Brasil. Curitiba: Appris, 2017.
RACIONAIS MC’s. Capítulo 4, versículo 3. São Paulo: Cosa Nostra, 1997.
RIBEIRO, Djamila. Pequeno manual antirracista. São Paulo: Companhia das Letras, 2019.
SÃO PAULO (Município). Educação antirracista: currículo da Prefeitura de São Paulo. São Paulo: Secretaria Municipal de Educação, 2022.
Professor de Geografia nos anos finais do ensino fundamental e no ensino médio do Colégio Espírito Santo, em São Paulo-SP.