A educação deve formar para as diferenças

O protagonismo infantil e juvenil pode ser entendido como uma proposta do saber, ser, estar e agir nas transformações do mundo que o cerca, conforme compreendem seu papel no meio social. O protagonismo deve ser um dos objetivos da abordagem pedagógica, para o desenvolvimento de jovens autônomos. Dessa forma, a aprendizagem vai além do saber aplicar conhecimentos adquiridos. Muitas vezes, o educando aprende e adquire habilidades, mas nem sempre as aplica. 

A Base Nacional Comum Curricular (BNCC) é o documento que orienta os conhecimentos a serem adquiridos ao longo de toda a educação básica. Com ela, é possível perceber o protagonismo dos indivíduos como sujeitos aprendentes. 

O texto Pacto Educativo Global traz o seguinte pensamento do Papa Francisco: “Hoje, a globalização trouxe aos jovens uma utilização permanente das novas tecnologias. Há, assim, um desfasamento entre a velocidade de acesso à informação digital e a lentidão natural da evolução biológica” (Laudato si’, n. 18).

O Pacto Educativo e um olhar para o acolhimento à alteridade e ao diálogo com as diferenças

O Pacto Educativo Global, neste ano de 2022, propõe um olhar todo voltado para a formação integral do ser humano, de forma a construir uma aliança com toda a sociedade, para deixar de lado o egocentrismo e pensar como centro nossa Casa Comum. O Papa Francisco traz uma reflexão sobre os prejuízos educacionais causados pelo isolamento e a crise econômica em decorrência da pandemia. Segundo Francisco, deverá o ser humano capaz de ter empatia, de modo a ser convidado a “cuidar das fragilidades do povo e do mundo em que vivemos − convite que não é dirigido apenas aos cristãos, mas a todos os homens e mulheres da terra − a educação e a formação tornam-se prioritárias, pois ajudam a se tornar protagonistas diretos e construtores do bem comum e da paz”.

O adoecimento pós-pandemia tem trazido à tona momentos sombrios vividos por uma geração de crianças e adolescentes que se viu às voltas com a tecnologia em suas mãos, sem uma mediação apropriada, um recurso tão importante, porém desafiador para aplicá-lo adequadamente. A dificuldade das relações sociais, de aprendizagem e a diferença social grita por uma “mudança de rumo que − através de uma educação integral e inclusiva, capaz de uma escuta paciente e de um diálogo construtivo − faça prevalecer a unidade ao conflito” (PACTO EDUCATIVO GLOBAL). 

O distanciamento da realidade apresentada aos jovens é contraditório ao que, de fato, apresenta-se nas escolas. Uma geração atual que tem o domínio da tecnologia fica às voltas com uma educação ainda do século XIX. A contradição entre tempos educativos e tempos tecnológicos tem causado grande impacto pedagógico. Faz-se urgente uma mudança de práticas pedagógicas, visando a que os alunos se tornem protagonistas do processo educacional. Fato deixado claro no Instrumentum laboris do Pacto Educativo Global, o qual cita também a encíclica Caritas in veritate, de Bento XVI. Diz o documento:

“A sociedade sempre mais globalizada torna-nos vizinhos, mas não nos torna irmãos” (n. 19). Hoje, uma das declinações fundamentais da globalização é representada pelo desenvolvimento das tecnologias e, em particular, com um impacto talvez mais incisivo no âmbito pedagógico, daquelas relativas à vida on-line e às mídias sociais. O uso desses mundos digitais coloca enormes desafios à tarefa educativa. De fato, como destacado na Laudato si’, embora a formação requeira um movimento constante de crescimento e, portanto, de transformação, “a velocidade que hoje lhe impõem as ações humanas contrasta com a lentidão natural da evolução biológica” (n. 18) (grifos no original). 

A reflexão da prática pedagógica sobre o que e como ensinar vem transformando a ação dos professores neste novo modelo de ensino imposto pela globalização. Para que a missão seja plena, o docente não descansa. Está sempre em busca de estratégias para alcançar seus objetivos com o educando, pesquisando materiais que possam tornar suas ações atrativas e capazes de proporcionar um ensino de qualidade. 

Contextualmente, filtrando cada tipo de realidade, o Instrumentum laboris fala que

O mundo virtual, por um lado, permite o acesso a cada ângulo do planeta, enquanto, por outro, tende a contribuir à “‘globalização da indiferença’ que lentamente nos faz ‘habituar’ ao sofrimento do outro, fechando-nos em nós mesmos” (Mensagem para a celebração do Dia Mundial da Paz, 1º de janeiro de 2014).

É fundamental buscar práticas de exercício de cidadania, visando a uma formação integral do aluno, de modo que ele se veja como sujeito agente da construção de seu conhecimento e responsável pelos espaços em que vive.

Maria Helena Salema (2021), referindo-se ao Instrumento laboris, afirma que, para o Papa Francisco, o efeito da pandemia reforçou as diferenças sociais:

Utilizando a expressão “catástrofe educativa”, à qual algumas organizações internacionais já se referiram, o líder dos católicos afirmou depois que “cerca de 10 milhões de crianças poderiam ser forçadas a abandonar a escola, aumentando um já alarmante fosso educativo, com mais de 250 milhões de crianças em idade escolar excluídas de qualquer atividade educativa” (grifos no original).

A evasão escolar deixará analfabetos e uma sociedade miserável, sem conhecimentos mínimos para uma atuação no contexto social. Faz-se urgente, portanto, resgatar os indivíduos para a escola, respeitando suas singularidades, valorizando-as e, assim, construindo uma educação significativa. Sobre o sentimento de empatia, o Instrumentum laboris traz a seguinte reflexão:

[Faz-se necessário] confrontar com esta nova “idolatria do eu” e encontrar as palavras certas para devolver a todos a originariedade e beleza da vocação humana nos confrontos do outro e do seu destino. “Juntos” é a palavra que tudo salva e tudo realiza. 

O educando faz parte de todo o processo educacional, ditado pelos quatro pilares da educação: aprender a ser, aprender a conhecer, aprender a fazer, aprender a aprender. A escola pensada antes para a repetição de conteúdos não cabe mais no âmbito educacional atual. A formação do professor, o clima do ambiente de trabalho e a valorização do professor são os responsáveis pelo sucesso do eixo educacional.

A “educação 4.0” trouxe para nós um viés remodelado; as práticas precisaram ser repensadas. Nesta nova abordagem, o educador deixou de ser o centro da aprendizagem e passou a ser mediador do processo, tornando o educando proativo. 

Segundo reportagem publicada pelo Instituto Ayrton Senna (2020),

O fomento do protagonismo juvenil efetivo na escola exige que três elementos funcionem bem:

  • um currículo que permita que os jovens personalizem suas trajetórias escolares;
  • professores e gestores parceiros do estudante, agindo como mediadores de sua participação;
  • desenvolvimento de atividades que estimulem a participação dos jovens com método estruturado, de modo a gerar aprendizagens significativas.

A BNCC traz toda essa abordagem em sua proposta e no desenvolvimento das habilidades dos alunos, formando as crianças para relacionar as áreas de conhecimentos em uma conexão única das disciplinas, aliado ao uso das tecnologias. Destaca a importância de trabalhar-se não apenas a dimensão cognitiva, mas também as competências socioemocionais. O protagonismo juvenil deve ser incentivado, evitando-se a evasão escolar, pois muitos jovens deixam de frequentar a escola por não se sentirem parte do processo de aprendizagem. O trabalho com os jovens deve estar marcado pela reflexão e ações, permitindo a troca de aprendizagens de forma significativa. Para desenvolver o protagonismo juvenil, é necessária uma relação de afeto entre professor e aluno: apoiar e elogiar. 

Escola: espaço de troca

O aluno precisa entender e acreditar que a escola é um espaço de troca. A formação da autonomia estará pautada na relação interpessoal do indivíduo com seus pares, e o desempenho de crianças e jovens deve ser atribuído no decorrer de sua formação acadêmica. Possibilitar habilidades que desenvolvam a empatia, ou seja, colocar-se no lugar do outro, resgatar a escuta, o olhar para os sentimentos, deve ser uma das propostas do modelo educacional capaz de formar o sujeito autônomo, crítico e atuante. 

É preciso educar para uma sociedade mais justa e fraterna, uma aliança de comprometimento que traz o Pacto Educativo Global. A pandemia nos fez colocar em prática metodologias e ações sob novas formas de agir sobre as necessidades do educando. O aprendizado vem com recursos como debates, aulas invertidas, estudos de caso, apresentações de trabalhos. As metodologias ativas são percursos para avançar mais no conhecimento profundo, nas competências socioemocionais e em novas práticas. A educação necessária não se faz apenas com recursos tecnológicos, mas com humanismo e olhar diferenciado, acolhendo o educando num diálogo para sua ação no mundo, como reflexão do cuidado com toda forma de vida no planeta.

Nesta proposta, há de reforçar-se que 

Muitos estudiosos da educação enfatizaram que não é o professor a educar o aluno numa transmissão unidirecional, nem é o aluno a construir o seu próprio conhecimento, mas é o relacionamento deles que os educa mutuamente num intercâmbio dialógico que os pressupõe e, ao mesmo tempo, os supera (PACTO EDUCATIVO GLOBAL, 2020).

Por fim, o protagonismo se faz com uma educação voltada para o acolhimento à alteridade e ao diálogo com as diferenças, para que o ambiente escolar seja inclusivo e respeite as individualidades, para preparar crianças e jovens para agir e cuidar do mundo que os cerca. 

Para saber mais 

INSTITUTO AYRTON SENNA. Práticas que contribuem para o protagonismo juvenil na escola. Instituto Ayrton Senna, São Paulo, 14 fev. 2020. Disponível em: https://institutoayrtonsenna.org.br/pt-br/conteudos/estante-do-educador/praticas-que-contribuem-para-o-protagonismo-juvenil-na-escola.html

PACTO EDUCATIVO GLOBAL. Instrumentum laboris. Vaticano: Santa Sé; Education Global Compact, 2020. Disponível em: https://www.educationglobalcompact.org/resources/Risorse/instrumentum-laboris-pt.pdf

SALEMA, Maria Helena. Pacto Educativo Global: o pensamento do Papa Francisco. Sinergias: diálogos educativos para a transformação social. Porto, n. 12, p. 145-157, jun. 2021. Disponível em: https://www.2013-2021sinergiased.org/index.php/revista/item/331-pacto-educativo-global-o-pensamento-do-papa-francisco
YOSHIDA, Soraia. Chegou o momento de exercitar as competências socioemocionais da BNCC. Nova Escola, São Paulo, 15 jul. 2020. Disponível em: https://novaescola.org.br/conteudo/19496/chegou-o-momento-de-exercitar-as-competencias-socioemocionais-da-bncc/

YOSHIDA, Soraia. Chegou o momento de exercitar as competências socioemocionais da BNCC. Nova Escola, São Paulo, 15 jul. 2020. Disponível em: https://novaescola.org.br/conteudo/19496/chegou-o-momento-de-exercitar-as-competencias-socioemocionais-da-bncc/

Patricia Calicio Ferrari Saggioro

Coordenadora pedagógica do ensino fundamental no Colégio Stella Matutina, em Juiz de Fora-MG.

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