A exigência da hora

A parábola de Lázaro e o Rico (Lc 16,19-31) é uma das narrações de duplo clímax. O primeiro clímax se encontra nos versículos 19 a 23 e tem por objeto a inversão do destino no além. O segundo se encontra nos versículos 24 a 31. Trata-se da rejeição dos dois pedidos do rico para que Abraão enviasse Lázaro.

Interessa-nos, contudo, perceber a intenção dessa parábola, almejando nossa transformação em vista ao Reino de Deus. Por isso cabe observar que o tema dessa “mashal” não se reduz a tomar partido sobre o problema rico-pobre ou dar uma lição sobre a vida após a morte. Trata-se de uma advertência profética. As pessoas que se assemelham ao rico e aos seus cinco irmãos irão se deparar com a fatalidade iminente. Pois, preferindo a riqueza (material, intelectual ou religiosa), mergulham no absoluto egoísmo e, surdos à Palavra de Deus, pregam que, com a morte, tudo acaba, e assim negam a ressurreição (cf. v, 28). Dessa forma, garantem sua estabilidade e conforto por sobre tudo e todos.

Na Contemporaneidade, não é diferente. Vemos pessoas de todos os níveis sociais mergulhados no egoísmo. O rico e os seus cinco irmãos desfrutam até do odiar. O que é mais escandaloso é que muitos ousam usar o nome de Deus para justificar seu injusto proceder. Por outro lado: quem são os Lázaros? Por acaso são os que hoje mendigam asilo em nossos países? Ou são os que, por terem a “doença da pele escura”, são deixados à sorte? Ou talvez sejam os que, aleijados pela tirania de um sistema injusto e excludente, jazem descartados de toda condição à vida?

Na parábola, o mendigo é o único que recebe nome: Lázaro (= “Deus Ajuda”). Isso é muito significativo, pois Lázaro era um mendigo, aleijado, atacado por uma doença da pele (cf. v. 21). Ele jazia às portas do rico e somente desejava saciar-se com o que caía de sua mesa. Sua condição, vista sob a teologia da retribuição, mostra-nos que ele era um pecador, castigado por Deus. Por isso a inversão do destino na parábola causou um forte impacto nos ouvintes de Jesus. Lázaro e não o rico iria se sentar no “seio de Abraão”! Ou seja, no lugar de honra dos justos (cf. v. 25).

Perante esse cenário, o imperativo “Tarde demais” da parábola soa contundente e até ameaçador. Pois significa “é preciso agir com decisão agora!”. Diante dessa exigência, não há possibilidade de fuga.

O enorme abismo que se impõe entre o rico e Lázaro nos mostra que Deus é o Deus dos mais pobres e abandonados. Ele é oposto ao deus “customizado”, que “satisfaz nossas vontades”. Portanto a troca de papéis na parábola é, ao mesmo tempo, convite à salvação. Trata-se de tirar as vestes de púrpura para vestir as da justiça, antes que seja “Tarde demais”!

Irmã Juana Ortega, SSpS, é teóloga especializada em Bíblia. Nasceu no México, trabalhou em Moçambique e, atualmente, além de animadora vocacional, acompanha as jovens aspirantes na Comunidade Madre Josefa, em Belo Horizonte-MG.

Referência bibliográfica

JEREMIAS, Joachim. As parábolas de Jesus. Tradução de João Rezende Costa. 11. reimp. São Paulo: Paulus, 2017.