A floresta como símbolo: reverência à vida ou ao capital?

Moro no Sul do Brasil. No dia 9 de setembro de 2022, a cidade amanheceu cinzenta e, à noite, a lua estava escondida atrás de um véu. Chegava a fumaça das queimadas no Norte do País. Quatro dias antes, no episódio Agosto incendiário na Amazônia, do podcast Assunto, a jornalista Renata Lo Prete recebeu a geógrafa Ane Alencar e o jornalista Alexandre Hisayasu para escutá-los sobre a relação entre as árvores derrubadas, o fogo e a fumaça. Alexandre destacou o modo destemido, de total impunidade, em que se encontravam os autores dos incêndios. Ane observou que agosto e setembro são, historicamente, meses incendiários, mas que a média de 2022 está acima da curva. A geógrafa previu que setembro seria tão ou mais incendiário que agosto por causa do volume de mata no chão. Em seguida, analisaram causas e motivações.

Em uma perspectiva de processo, a fumaça que escurece o dia e o fogo que clareia a noite se constituem na última etapa da floresta devastada. A jornada do fogo que extingue a vida dos seres se inicia com a abertura de estradas ilegais em reservas ou florestas públicas não destinadas e passa pela extração de madeira. Em cinzas, essas áreas são transformadas em pastos para a “produção de proteína animal”, sendo assim uma lógica sistematizada de ocupação de terras.

Se o fogo e a fumaça são indícios desse processo, metade das ocorrências acontece em terras públicas constituídas de áreas indígenas, unidades de conservação, áreas e florestas públicas não destinadas. As últimas representam 30% do desmatamento na região, o que pressupõe a usurpação de terras públicas.

Essa situação deve ser respondida não com omissão, mas com ação. Assim como Renata, Ane e Alexandre se engajam para investigar, analisar, compreender, documentar e publicar informações, há outras iniciativas que podem ilustrar o movimento requerido. Uma delas é a plataforma Sumaúma, idealizada pela escritora Eliane Brum e o jornalista Johnathan Watts. A intenção é fazer uma cobertura centrada na Amazônia a partir de um dos epicentros da crise: Altamira, no Pará. O conselho editorial conta com lideranças da floresta e seu propósito é a “defesa da natureza, da democracia e da vida”.

O outro chamado para ação está muito mais próximo de nós e está descrito no 15º Capítulo-Geral – Direções Congregacionais, que orienta, pelos próximos seis anos, a Congregação das Irmãs Missionárias Servas do Espírito Santo. A direção que nos interessa destacar aqui e trazer para nossa discussão é a de número 2, que prescreve: “Despertadas pelo grito da Trindade, através da dor e do sofrimento da Mãe Terra e de nossos irmãos e irmãs à margem, a conversão ecológica e a vida sustentável se tornam um compromisso ético inalienável”.

Esse chamado para a ação que ecoa das árvores no chão transformadas em cinzas, esse grito dos habitantes da floresta precisa ressoar no divino que habita em nós e despertar compromisso ético para com a vida antes dos imperativos econômicos. A árvore no chão ou em floresta (de pé) também é dotada de um aspecto simbólico das escolhas que fazemos: de reverência ao capital ou à vida.

Referências

LO PRETE, Renata; ALENCAR, Ane; HISAYASU, Alexandre. Agosto incendiário na Amazônia. Assunto [podcast], 5 set. 2022. Disponível em: https://open.spotify.com/episode/3YjWXcVs0jrzCkok1nShqp?si=2w4he_HbQdeusNlyelAwyQ&utm_source=whatsapp. Acesso em: 13 set. 2022.

MISSIONÁRIA SERVAS DO ESPÍRITO SANTO. Meio ambiente e XV Capítulo-Geral das SSpS. Disponível em: https://www.mssps.org.br/single-post/meio-ambiente-e-xv-cap%C3%ADtulo-geral-das-mission%C3%A1rias-servas-do-esp%C3%ADrito-santo-ssps. Acesso em: 19 set. 2022.

SUMAÚMA. Sumaúma: jornalismo do centro do mundo. Disponível em: https://sumauma.com/. Acesso em: 13 set. 2022.

Marli Teresinha Everling
Professora nos cursos de Graduação e Pós-Graduação em Design da Universidade da Região de Joinville/Univille. Coordenadora do Projeto Ethos – Design e relações de uso em contexto de crise ecológica. Colaboradora do Instituto Caranguejo de Educação Ambiental.

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