“Não chamem o meu falecimento de leito da morte, mas de leito da vida. Deem minha visão ao homem que jamais viu o raiar do sol, o rosto de uma criança ou o amor nos olhos de uma mulher. Deem meu coração a uma pessoa cujo coração apenas experimentou dias infindáveis de dor.” Esse é o trecho de uma carta anônima de um doador de órgãos divulgada no site da Associação Brasileira de Transplante de Órgãos (ABTO).
Com vinte anos de atividade, a associação luta por conscientizar a população a respeito da importância da doação de órgãos. Para ser doador, basta avisar sua família. É simples assim. Antes era possível carregar na cédula de identidade um aviso de que a pessoa era doadora de órgãos. Como isso não existe mais, é suficiente alertar os familiares sobre o seu desejo de ceder os órgãos após o falecimento. De acordo com informações da ABTO, a família é quem autoriza a doação, e isso pode ser feito em casos de morte encefálica.
É normal, comum até, ter medo da morte e não querer se preocupar com esse assunto ainda em vida. Muito mais cômodo é não pensar a respeito, apesar da inevitabilidade de que, um dia, todo mundo parte. Mas há uma decisão que, se tomada por uma só pessoa durante a vida, pode ajudar a salvar ou, ao menos, melhorar a saúde de outras dezenas: a doação de órgãos e tecidos.
Essa é uma determinação que pode ser definida por cada um antes de passar por alguma doença debilitante, mas acaba tendo de ser tomada pelos familiares. E, em meio ao sofrimento da perda, permitir à equipe médica que retire partes do corpo, como coração, pulmão e fígado, pode ser difícil. Por isso é importante que quem pretende ser doador pós-morte informe seu desejo aos familiares.
No mundo, trabalha-se com o consentimento informado, como é aqui no Brasil, e o consentimento presumido, em que há um registro de não doadores. Mas mesmo países que adotam um sistema como o nosso poderiam se beneficiar de um registro de doadores que tenha validade. Porque, aí, a decisão passa a ser da pessoa, em vida.
Não é toda morte que pode resultar em doação de órgãos. Somente quando o cérebro deixa de funcionar e o coração continua batendo com a ajuda de aparelhos, na chamada morte encefálica, é que os órgãos poderão ser transplantados para outra pessoa. Isso ocorre, por exemplo, com vítimas de traumatismo craniano (por acidente ou violência) ou acidente vascular cerebral (AVC). Já no caso dos tecidos, é diferente; mesmo após a parada cardíaca, é possível doar córneas, pele e ossos, entre outros.
Cristiano Franke, coordenador da Central de Transplantes do Rio Grande do Sul, explica que, além de salvar pessoas, prolongando em muito a expectativa de vida, a doação pode melhorar a qualidade de vida de quem precisa de um transplante, permitindo que esses pacientes possam retomar as atividades normais.
Aquela pessoa que recebe uma córnea vai voltar a enxergar. Quem deixar de fazer diálise vai poder voltar a trabalhar, viajar, em vez de ficar quatro horas por dia preso a uma máquina. Aquele que precisa de um coração, de um pulmão e hoje não consegue subir uma escada, tomar banho, amarrar o sapato voltará a respirar e sobreviver com o novo órgão. Isso diminui o sofrimento que muitas pessoas têm e as ajuda a superar limitações.
A carência de doadores de órgãos é um grande obstáculo para os transplantes no Brasil. A quantidade ainda é pequena diante da demanda de pacientes que esperam pela cirurgia. A falta de informação, o preconceito e as propagandas mal-intencionadas sobre a venda de órgãos também acabam limitando o número de doações obtidas de pacientes com morte cerebral.
Com a conscientização das pessoas, o número de doações pode aumentar. Para muitos pacientes, o transplante é a única forma de salvar suas vidas!
Irmã Luciana Rzepka, SSpS