Três datas na segunda metade de junho nos fazem refletir sobre a movimentação humana no Brasil e no mundo. O Dia Nacional do Migrante (dia 19), o Dia Mundial do Refugiado (20) e o Dia do Imigrante (25) colocam em evidência a realidade dessas pessoas e os papéis que governos e sociedade precisam desenvolver no acolhimento dessa população. Nesse contexto, apresentamos duas frentes de trabalho das irmãs missionárias servas do Espírito Santo e favor de quem chega a nosso País.
Ações para os migrantes em Alto Alegre-RR
“Nosso serviço consiste em estar onde é mais necessário. Essa é a herança recebida pelos fundadores da Congregação das Irmãs Missionárias Servas do Espírito Santo.” Assim pontua a irmã Aurélia Prihodova sobre a importância das ações desenvolvidas pelas quatro religiosas pertencentes a uma comunidade intercultural e internacional na Paróquia Santo Isidoro, em Alto Alegre, Roraima.
Além do apoio à paróquia, sobretudo nas áreas de formação, pastoral e administração, elas participam de ações desenvolvidas pela Diocese de Roraima e da rede de atendimento social no movimento migratório da Venezuela e da Guiana Inglesa. Também oferecem apoio nas demandas dos povos indígenas (Macuxi e Wapichana) em sua luta por direitos fundamentais e territoriais. “É um lugar desafiador, onde a gente passa por uma transformação pessoal e comunitária. Nossa missionariedade oportuniza a disposição e flexibilidade de acolher, atender, aprender e servir a humanidade encontrada e integrá-la para o meio social”, afirma a missionária.
A atenção especial aos movimentos migratórios começou em meados de 2018. Naquele ano, foram cadastrados 200 estrangeiros que chegaram a Alto Alegre em busca de uma vida digna. Em 2019, os atendimentos aumentaram, com registro de 285 pessoas acolhidas pelo serviço. Apesar da covid-19, a migração não parou nos anos seguintes, mesmo com o fechamento oficial das fronteiras entre Brasil e Venezuela, devido à pandemia. Em 2020, 150 pessoas buscaram apoio na comunidade de Alto Alegre. Em 2021, foram 170 migrantes. E, em 2022, já são 100 cadastrados.
“Eles passam por caminhos perigosos e ilegais, chegando ao Brasil sem nada, somente com a violência e violação dos direitos fundamentais. Atendemos aqueles que permaneceram aqui no Município e os que estão sempre chegando. A média é de 350 a 400 pessoas”, comenta Ir. Aurélia.
As religiosas atuam em rede com a Diocese de Roraima e com outras instituições, como a Organização Internacional do Migrante (OIM), o Serviço da Pastoral do Migrante (SPM) e a Cáritas Diocesana e Nacional. Primeiramente, o foco do atendimento é a fome. Depois, a documentação. E, em terceiro lugar, as irmãs oferecem aulas de Língua Portuguesa para favorecer a integração das pessoas, famílias e profissionais que saíram da Venezuela devido à crise. A paróquia criou também um grupo de mulheres imigrantes para promover a troca dos saberes culturais e tradicionais, além de escutá-las e de ser um lugar onde elas possam falar.
Uma das ações permanentes são os agendamentos com a Polícia Federal e com o Posto de Interiorização e Triagem (Pitrig) para confecção da documentação de refúgio ou de residência das pessoas, ou ainda a renovação dos documentos daquelas que permaneceram no Município com esperança de retornar à Venezuela. Por meio do projeto de interiorização, já foram encaminhadas 75 pessoas para outros Estados do Brasil.
De acordo com Ir. Aurélia, as tratativas com o Poder Público Municipal abrem caminho para o atendimento dos migrantes nos postos de saúde bem como a integração das crianças, adolescentes e jovens para a educação. Valendo-se da plataforma da Receita Federal, a Paróquia Santo Isidoro consegue agilizar também a solicitação do CPF sem que eles tenham necessidade de gastar dinheiro com a viagem até a capital, Boa Vista. A plataforma on-line do Ministério de Trabalho facilita a confecção da carteira de trabalho e acesso a benefícios sociais e do INSS.
Porém, o esforço das missionárias em acolher os migrantes também se depara com dificuldades. “O que desafia nossa missão aqui é a xenofobia. No Município (Alto Alegre), não existem alternativas de poder empregatício. A população é formada por pequenos agricultores que lutam pela sobrevivência com um olhar não muito positivo para os migrantes. Escutamos muitas críticas, mas confiamos em Deus Uno e Trino que envia seu dinamismo e coragem para podermos agir com compromisso, responsabilidade e transparência em todas as atividades na missão a nós confiada”, conta Ir. Aurélia.
Da parte de quem recebe essa atenção das irmãs, o sentimento é de gratidão. “Para mim, tem existido apoio, principalmente do Serviço da Pastoral dos Migrantes, que não só me ajudou espiritualmente, mas também me deu a oportunidade laboral. No princípio, foi muito difícil para eu me adaptar a uma língua nova. Deixei tudo lá (em Caracas): casa, trabalho, família e formatura. Algumas vezes, eu me sentia muito deprimida. Mas depois começou minha resiliência. Fui começando a me acostumar com as novas formas de vivência, incluindo cultura, língua e outros costumes. Trabalhei como faxineira, babá, ajudante de cozinha e vendedora de din-din. Pouco a pouco, fui me adaptando até me converter em agente pastoral e funcionária humanitária. Hoje ajudo muitos migrantes vulneráveis como eu”, diz Orladys Enriqueta Hernandez, 44 anos, que migrou da Venezuela para o Brasil devido à crise alimentar, saúde, educação e insegurança. Hoje ela vive em Boa Vista.
Centro de Integração do Migrante em São Paulo-SP
Inaugurado em 12 de dezembro de 2015, o Centro de Integração do Migrante (CIM) é uma iniciativa das irmãs missionárias servas do Espírito Santo que se configura como um espaço de convivência para a integração social, orientação e capacitação profissional de imigrantes que vivem na capital paulista. O trabalho é desenvolvido em conjunto com a Pastoral do Migrante da Arquidiocese de São Paulo e da Paróquia São João Batista do Brás.
A atuação das missionárias no CIM tem seu foco na acolhida, proteção, promoção e integração dos migrantes, promovendo a preservação das diversas culturas e, de modo contínuo e respeitoso, apresentando a cultura brasileira. “Em geral, nossa comunidade é composta por três irmãs. No momento, estamos em duas, coordenando o CIM, atendendo, fazendo visitas, ajudando no bazar e cuidando da alimentação das crianças”, diz irmã Malgarete Scapinelli Conte.
Anos antes da inauguração do espaço físico, as missionárias já promoviam encontros, atividades e religiosidade com os migrantes, predominantemente moradores no bairro do Brás. O serviço ganhou direcionamento a partir de uma pesquisa de cunho social, realizada em 2013. Nesse levantamento, foram identificadas as principais necessidades dos migrantes daquela região: alta vulnerabilidade social e risco pessoal, falta de moradia digna, famílias com muitas crianças, falta de oportunidades de trabalho, condições de trabalho insalubres e sem conformidade com a lei, desconhecimento de direitos sociais da lei migratória no Brasil, entre outras demandas.
O perfil dos imigrantes atendidos no CIM é bem amplo, compreendendo homens e mulheres de, pelo menos, 45 nacionalidades, com predominância da América Latina e África, com ou sem escolaridade e trabalho, em situação de vulnerabilidade social e risco pessoal. As idades variam de 3 a 80 anos.
Em 2019, o CIM recebeu 1.352 pessoas, de 21 nacionalidades, gerando mais de 3.200 atendimentos. Em 2020, ano da pandemia de covid-19, foram 785 pessoas, de 21 nacionalidades, convertendo em mais de 2.303 atendimentos, além da doação de cestas básicas para 1.002 famílias, o que beneficiou 4.000 pessoas. Em 2021, passaram pelo local 1.893 pessoas, de 22 nacionalidades, resultando em mais de 7.572 atendimentos.
No CIM, são oferecidos cursos de Língua Portuguesa para adultos e crianças; de Língua Inglesa, Artes e Educação Física para crianças; e de Língua Espanhola, Manutenção de Computadores, Informática Básica, Capacitação Laboral, Empreendedorismo, Artesanato e de Bolos e Salgados para adultos. O local também dispõe de apoio psicológico, assistencial e jurídico, orientação documental e encaminhamento para serviços públicos de saúde, assistência social, educação e migração. Essas iniciativas resultam em melhor qualificação para o mercado de trabalho, na compreensão da Lei de Migração no Brasil (direitos e deveres) e na melhoria na resposta a conflitos familiares e com a comunidade.
O retorno das avaliações periódicas com pais, alunos, equipe fixa e voluntária também apontam o sucesso dessas ações. “De forma geral, a proposta do CIM é reconhecida por priorizar o respeito, sigilo e confidencialidade de dados e situações particulares a nós apresentadas. Reconhecimento pelo atendimento às crianças e adolescentes, sempre favorecendo seu desempenho de acordo com a faixa etária, e os adultos reconhecem que seus cursos profissionalizantes colaboram muito como alternativa de renda, especialmente nos tempos de pandemia”, afirma Ir. Malgarete.
O relato de quem é atendido pelo CIM é ainda mais recompensador: “Estou há mais de 20 anos aqui no Brasil. Eu vim procurando um futuro melhor. Minha expectativa é poder oferecer melhores oportunidades para meus filhos. Estou trabalhando, graças a Deus. Tenho filhos que já nasceram aqui no Brasil e estudam em uma escola muito boa aqui em São Paulo. Eles também frequentam o Centro de Integração ao Imigrante, onde são muito bem cuidados. Fui muito bem acolhida aqui no Brasil. É um país muito bom. Aqui tem gente muito boa. Como imigrante, tenho a dizer que a aqui tem muitas oportunidades para o nosso futuro e futuro da nossa família. Agradeço muito por isso. Agradeço também a todas as pessoas que me acolheram como amiga. Eu fiz muitas amizades aqui e, por isso, sou muito grata”, Alba Rosa, migrante do Paraguai .
Marcos Vinícius Merker
Jornalista no Colégio Espírito Santo de Canoas-RS, membro da Equipe de Comunicação das SSpS Brasil.