Vivemos a mais importante celebração do calendário litúrgico anual: a Páscoa do Senhor. Depois de dois anos sem as celebrações nas igrejas, devido à pandemia, tive a impressão de um povo mais “entusiasmado” (inclusive no sentido original dessa palavra) na Semana Santa. Já nestas primeiras linhas, saúdo os cientistas e os muitos outros profissionais envolvidos na vacinação contra a famigerada covid-19. Sem esse recurso bendito, como estaríamos agora?
Uma percepção que tive, pelo menos nas comunidades da Região Metropolitana de Belo Horizonte, onde sirvo como diácono da Igreja, é a admiração de muitas pessoas, inclusive ministros e agentes de pastorais experientes, diante da liturgia destes dias. Descobri que muitos jamais haviam participado de um Tríduo Pascal completo. Para meu espanto, para dizer pouco, havia até idosos que nunca estiveram numa Vigília Pascal, a mais bela liturgia do ano, realizada na noite do sábado (para a Igreja, já o domingo).
Assim, vem a meu coração o Evangelho proclamado na manhã do Domingo de Páscoa (João 20,1-9). Eu gostaria de sublinhar o primeiro versículo: “No primeiro dia da semana, Maria Madalena foi ao túmulo de Jesus, bem de madrugada, quando ainda estava escuro, e viu que a pedra tinha sido retirada do túmulo”. A madrugada pode dizer bem mais que um período do dia. Dependendo do enfoque, ela pode ser ainda a noite, com suas sombras, medos, obstáculos; ou pode ser a antessala da claridade, a expectativa da luz que virá em breve e trará segurança e ânimo.
No início do trecho, a madrugada para Maria Madalena é o cenário das trevas. Certamente ainda estão fortes em sua lembrança as imagens bem nítidas da violência cometida contra o Mestre. No interior da discípula, uma tempestade talvez de revolta contra os companheiros de caminhada que abandonaram Jesus numa hora difícil, decepção pela aparente queda do projeto de Cristo devido à injustiça das autoridades do Templo e de Roma, e de espanto ao testemunhar a dor de Maria, a Mãe do Senhor. Eis a assombrosa madrugada!
Essas horas, contudo, também são o prenúncio do Sol. Se nosso olhar, nosso espírito está voltado para o nascente, a perspectiva é outra. Isso vale para nossa vida. Nos instantes de escuridão, nossa fé precisa nos levar a acreditar na vitória das luzes. É esse o espírito da Páscoa. Não uma vitória qualquer, mas aquela carregada de crescimento, aprendizado (às vezes, doloroso), libertação daquilo que nos diminui como seres humanos.
Madalena, ao identificar o túmulo violado, ainda sob o pavor das trevas, pensa ter havido um roubo. Conforme chega o dia, a esperança começa a vencer ao horror. Por fim, a Apóstola dos Apóstolos tem a experiência do encontro com o Senhor, segundo outras narrativas, amedrontando quem ainda não passa por esse mistério (outros discípulos levam um susto ao ouvir o depoimento das mulheres).
O tenebroso véu da pandemia nos deu e ainda nos força a muitas lições. Mas talvez tenhamos aprendido a rever muita coisa, tal como os idosos que se encantaram com a beleza da Vigília Pascal; até este ano, inédita para eles. Quiçá partiriam deste mundo sem a terem festejado. Que Deus nos permita, no próximo ano, termos mais segurança para podermos retomar todos os gestos litúrgicos possíveis e, claro, as doces tradições populares, por ora limitadas pelos cuidados sanitários. Mais pessoas se encantem com uma festa de uma semana de semanas!
Páscoa não pode ser uma ideia bem emaranhada da teologia ou mote para consumo, mas experiência bem concreta. Muitos homens e mulheres entre nós permanecem encerrados nos mais diversos túmulos. Que a mão de Deus e nosso testemunho de fé na vida, na justiça e na paz reergam das sombras da morte nossa sociedade.
Um santo e feliz Tempo de Páscoa!
Alessandro Faleiro Marques
Diácono permanente na Arquidiocese de Belo Horizonte, professor, editor de textos para as irmãs missionárias servas do Espírito Santo, membro da Equipe de Espiritualidade da Província Brasil Norte das SSpS.