A paz na família não é a ausência de dificuldades e conflitos

A abordagem de uma família em paz, frequentemente idealizada pela/na cultura popular, é a de um lar sem discussões, sem desentendimentos, onde todos os membros vivem em perfeita harmonia. No entanto, essa imagem estática e distante da realidade negligencia a natureza dinâmica e complexa das relações humanas independente do espaço em que elas aconteçam. 

A verdadeira paz na família não se define pela ausência de dificuldades ou conflitos, mas pela maneira como eles são vivenciados, acolhidos, enfrentados e superados. O que se configura como um estado de resiliência e de maturidade, construído com o suporte dialógico, respeitoso e capaz de uma escuta ativa, efetiva e afetiva.

Os conflitos são inerentes a todo e qualquer grupo de pessoas que compartilham um espaço e uma história, e a família, com sua diversidade de personalidades, necessidades e aspirações, não é exceção. 

Tentar evitar desentendimentos a todo custo pode, muitas vezes, resultar em silenciamentos, em ressentimentos reprimidos e uma falsa sensação de tranquilidade; o que, inversamente, pode “explodir” em momentos de maior pressão. 

A “paz” superficial esconde problemas não solucionados e conduz à falta de verdade e autenticidade em quaisquer relações, ainda mais no contexto familiar, onde vivemos mais intensamente o “face a face”. 

O conflito pode ser um catalisador para o crescimento e as [trans]formações, desde que seja gerenciado de modo sensível e construtivo.

A paz, grata e genuína, emerge da capacidade de a família viver seus atravessamentos e tempestades em conjunto, o que se manifesta em práticas e atitudes concretas.

A comunicação aberta e não violenta, como uma das atitudes concretas, torna-se a base para a resolução de conflitos bem como a habilidade da expressão, de forma transparente e respeitosa, dos sentimentos, das necessidades, dos medos/receios e das opiniões. Tudo isso em detrimento de acusações, pois a família em paz pratica a escuta ativa, afetiva e sensível, bem como busca entender e acolher a perspectiva do outro.

A empatia e a aceitação são atitudes que impulsionam ao reconhecimento de cada membro da família como um ser único, com suas próprias fraquezas e qualidades. Esse reconhecimento e acolhimento o/a faz sentir-se mais pertencente, mesmo nos conflitos. A paz se constrói quando há o respeito das imperfeições e das divergências, mas com a sincera disposição para perdoar, ser perdoado e seguir em frente.

A resiliência e a solidariedade diante das dificuldades externas, sejam elas financeiras, de saúde e/ou outras, são inevitáveis. Porém, uma família unida, edificada na fé, no respeito, no acolhimento, no amor não se desintegra diante de tais dificuldades, mas se fortalece ao enfrentá-las como um corpo forte, no oferecimento de apoio mútuo e nas soluções em conjunto.

A paz na família é um processo de contínuo diálogo pacífico e de escuta ativa. É a confiança mútua que se aflora, mesmo em meio às divergências. É o amor e o respeito que prevalecem. É o resultado de um trabalho de constante construção de pontes e de derrubada de muros. 

É o lar como refúgio seguro, não por ser imune a problemas, mas por ser o lugar onde a vulnerabilidade é permitida e a cura é possível.

 

Donizeti Pessi

Esposo de Marcela, pai de Sofia (14 anos) e de Ana (10 anos). Professor na Faculdade e Colégio Sant’Ana, em Ponta Grossa-PR. Professor na Universidade Estadual de Ponta Grossa, doutor e pós-doutor em Educação, mestre em Teologia, licenciado em Filosofia e Pedagogia.

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