A política da paz é uma decisão.

A violência, a polarização ou mesmo a intolerância que pode ser observada em alguns acontecimentos atuais podem ser vistas como o reflexo exterior de uma desordem interna bem maior. Um dos grandes exemplos está na radicalização da opção política. O foco da opção política foi deslocado do bem comum [1] para a sedimentação cada vez mais refinada daqueles que compartilham das mesmas ideias. As ideias políticas sobrepuseram-se inclusive aos valores religiosos, como foi atestado pelo pregador apostólico, cardeal Raniero Cantalamessa, em 2021 [2]. Os efeitos de uma polarização intensa é a autodestruição dos laços de proximidade (cf. Mateus 12,25), religiosos e familiares, até chegar o momento em que a tolerância perde seu fundamento, pois a diferença sempre é ameaçadora.

O Dicionário Online de Português define o verbete “paz” como “Estado de calmaria, de harmonia, de concórdia e de tranquilidade; calma” [3]. Definições como essa podem trazer um risco de entender a paz como fruto de um comportamento passivo, em que qualquer proatividade ou iniciativa pode destruir esse estado de calmaria. A paz pode ser entendida como virtude quando envolve a liberdade, a vontade e a consciência. Portanto, somente opta pela paz quem tem motivos para fazer guerra. Essa compreensão pode ser vista no Cântico do Irmão Sol, no qual Francisco de Assis afirma: “Louvado sejas, meu Senhor, por aqueles que perdoam (cf. Mateus 6,12) pelo teu amor e suportam enfermidade e tribulação. Bem-aventurados aqueles que as suportam em paz, porque por ti, Altíssimo, serão coroados” [4]. A ofensa é o lugar teológico de onde nasce a misericórdia.

A proposta não é romantizar as feridas causadas pelas atitudes humanas, mas retomar o fundamento trinitário da paz e do perdão. Ao longo da Sagrada Escritura, Deus teve diversos motivos justos para punir a humanidade, mas sua misericórdia ultrapassou a justiça. O auge da misericórdia está na encarnação, eucaristia e paixão em que Cristo assinala, de forma permanente, a escolha de Deus pela humanidade. A contemplação do Evangelho levou Francisco a dar o seguinte conselho a um superior: “Não haja no mundo irmão que pecar, o quanto puder pecar, que, após ter visto teus olhos, nunca se afaste sem a tua misericórdia […]. E se depois ele pecar mil vezes diante de teus olhos, ama-o mais do que a mim, para trazê-lo ao Senhor” [5]. Deus opera, por mediações, o bem que Ele quer [6]. Quando a graça de Deus precisa se submeter ao julgamento humano, o ser humano deixa de ser instrumento do bem para tornar-se alfândega da graça divina [7]. A paz é uma opção dolorida, pois, necessariamente, envolve um processo de perdão (ou autoperdão); é um processo de mudança de mentalidade e, ou, conversão.

Referências

[1] Disponível em: https://brasilescola.uol.com.br/politica/politica-definicao.htm. Acesso em: 19 dez. 2022.

[2] Disponível em: https://www.vaticannews.va/pt/vaticano/news/2021-04/raniero-cantalamessa-sexta-feira-santa-pregacao-texto-integral.html. Acesso em: 19 dez. 2022.

[3] “Paz”. In: Dicionário Online de Português. Disponível em: https://www.dicio.com.br/paz/. Acesso em: 21 dez. 2022.

[4] SÃO FRANCISCO DE ASSIS. Cântico do Irmão Sol (cnt. 10). In: Fontes franciscanas e clarianas. Tradução de Celso Márcio Teixeira et al. Petrópolis: Vozes, 2004.

[5] SÃO FRANCISCO DE ASSIS. Carta a um ministro (mn 9-11). In: Fontes franciscanas e clarianas. Tradução de Celso Márcio Teixeira et al. Petrópolis: Vozes, 2004.

[6] MORESCO, Kleber; SANTANA, João Henrique. A minoridade como opção pelo seguimento a Cristo. Thaumazein, v. 15, n. 30, p. 98, 2022.

[7] PAPA FRANCISCO. Evangelii gaudium (n. 47). Disponível em: https://www.vatican.va/content/dam/francesco/pdf/apost_exhortations/documents/papa-francesco_esortazione-ap_20131124_evangelii-gaudium_po.pdf. Acesso em: 21 dez. 2022.

Frei Kleber Moresco, OFM Cap

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