A terra, o ar e o mar que nos cercam configuram uma delicada teia que dá sustentação à vida. Ela é orgânica e desconsidera fronteiras geográficas, políticas e econômicas que nós, artificialmente, criamos. A maior obra humana é a estrutura que dá sustentação à nossa existência e seus tentáculos que se alastram, invadindo o mundo natural. Em seu meio, vigora uma mentalidade antropocêntrica que situa a vida humana, e não a vida do planeta, como sagrada.
Em Gênesis, o firmamento, os ciclos dia-noite e manhã-tarde foram criados no primeiro e no segundo dia; continentes e oceanos, seres com semente e fruto foram criados no terceiro dia; animais que voam, que vivem na água, que rastejam, que vivem na selva, o homem, a mulher e animais domésticos foram criados no sexto dia. Esse enredo ilustra o quanto nossa vida e a nossa saúde dependem da vitalidade do meio que nos cerca e posiciona a vida do planeta também como sagrada.
O garimpo em terra Yanomami é uma chocante evidência do impacto das atividades econômicas na saúde do território, do curso do rio, da floresta, da biodiversidade, da vida humana e de outras espécies. O garimpo, a exemplo da lógica de outras atividades econômicas, ocorre em escala industrial na qual a tecnologia é um braço artificial que amplifica o alcance da atuação humana, por vezes perversa, sobre o planeta.
Em um contexto marcado pelo antropoceno, capitaloceno ou qualquer outro nome que se queira dar, a interação entre o sistema econômico e o meio ambiente está registrada nas pegadas que nosso modelo de vida deixa sobre a terra. Os vestígios estão tanto na degradação que acompanha o uso de recursos naturais quanto nos resíduos que ocupam espaço na terra e no mar, que contaminam o ar e circulam em nosso corpo e de outras espécies, a exemplo das partículas plásticas.
Os desafios de nosso tempo e do futuro são complexos, contraditórios, inacabados. Muitas de nossas decisões carecem de certezas e estão fundamentadas em informação incompleta, especialmente quando consideramos as consequências, a responsabilidade da atuação humana sobre a terra e a importância da preservação de suas condições de vida.
Mais importante do que a formulação limitada de respostas é a problematização adequada das ações políticas e do design do futuro. O que envolve avaliar se a meta de contínuo crescimento econômico deve continuar sendo o santo cálice da economia. Também diz respeito a analisar corretamente o valor da preservação da biodiversidade, do clima, de fontes de energia, dos minerais, assim como os ciclos das águas e do solo. O compromisso com a sacralidade do planeta e a preservação de suas condições de vida é, essencialmente, uma reafirmação do extraordinário de nossa existência e de reverência ao Criador.
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Referências
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Marli Teresinha Everling
Professora dos cursos de Graduação e Pós-graduação em Design da Universidade da Região de Joinville/Univille. Coordenadora do Projeto Ethos – Design e relações de uso em contexto de crise ecológica. Colaboradora do Instituto Caranguejo de Educação Ambiental.