O mês de novembro traz duas comemorações as quais mereceriam ser unidas. A primeira é a Solenidade de Todos os Santos, que, no Brasil, é uma data litúrgica móvel, podendo ou não ser no dia 1º. A outra é o Dia Mundial da Gentileza, 13 de novembro, celebração menos conhecida. Estou longe de ser um lorde, contudo acho difícil compreender um autêntico espírito cristão afastado da gentileza. Como pode um batizado ou batizada responder ao chamado à santidade e, ao mesmo tempo, não ter o mínimo de doçura no trato com o outro, em qualquer ambiente? Isso independe de qual função se exerce, seja na vida eclesial ou civil.
Creio que não estou sozinho nesse pensamento. Por diversas vezes, em discursos, homilias ou em documentos, o Papa Francisco critica os cristãos mal-humorados, “que parecem ter escolhido viver uma Quaresma sem Páscoa” (Evangelii Gaudium, 6). Entre outros predicados, o Pontífice coloca a mansidão, a paciência, a alegria e o humor como algumas das características da santidade no mundo de hoje (Gaudete et Exsultate, cap. IV).
Para buscar fontes ainda mais profundas, é interessante recordar a narrativa de um dramático naufrágio do qual São Paulo foi vítima. A passagem está nos Atos dos Apóstolos, do capítulo 27 até o versículo 15 do capítulo 28. O trecho faz muita questão de reforçar a gentileza do povo da Ilha de Malta, aonde os náufragos chegaram e foram acolhidos com “extraordinária gentileza” (At 28,2). Naquele lugar, o Apóstolo deu atenção aos enfermos e, com a graça de Deus, realizou curas.
É impossível não recordar também a passagem do Evangelho de Lucas, capítulo 17, versículos 11 a 19. Dos dez leprosos curados por Jesus, apenas um voltou para agradecer ao Senhor e reconhecer seu poder. Esse era justamente um samaritano, um “estrangeiro”. Os outros, “de casa”, apenas foram embora, talvez pensando ter Cristo apenas cumprido sua “obrigação”. A iniciativa do homem chamou a atenção de Jesus, mostrando que a gentileza é, sim, um valor divino.
Gestos educados podem fazer muita diferença no dia a dia. Em uma sociedade doente em todos os sentidos, faz muita diferença usar expressões simples, mas poderosas, como “por favor”, “muito obrigado”, “com licença”, “desculpe-me”, “bom dia”, “boa tarde” e “boa noite” (quanto a estas três últimas, não me refiro às famigeradas mensagens pré-fabricadas espalhadas por redes sociais). Incluo aqui a nobilíssimo gesto de pedir e de conceder a bênção, tal como em outros tempos. Essa prática, carregada de valor, começa liturgicamente no dia do batismo e deve-se estender por toda a vida.
Expressões e gestos gentis exigem autenticidade. Quando, por exemplo, deseja-se um “bom dia” a alguém, isso precisa soar como uma prece. Que “o espírito concorde com a voz”, conforme ensina São Bento. Aí está a diferença de uma gentileza cristã. Não desperdiçar palavras, sobretudo as de bendizer.
Em meu ministério de diácono, vez ou outra, sou chamado a abençoar casas comerciais. Quando estou diante das portas desses estabelecimentos, fico a imaginar as pessoas passando por aquele lugar. Assim, costumo sugerir aos funcionários que evitem cara fechada para quem entra. Longe de ser uma atitude mercadológica, a acolhida é um dom cristão. Talvez o leve sorriso daqueles trabalhadores e trabalhadoras será a única demonstração de doçura que um cliente poderá ver ao longo do dia. Embora o comprador possa não retribuir o cumprimento ou ser de espírito “poluído” pela crueza, sempre os encorajo a insistir na prática. Se isso vale para uma loja, um supermercado, um shopping, o que dizer de uma igreja, uma obra social, uma secretaria, uma escola?
Nunca é demais reforçar: a santidade é para ser vivida no dia a dia, com os pés no chão, em situações reais, quiçá no silêncio do fermento na massa. Nosso mundo precisa de batizados e batizadas humanamente gentis e santos.
Alessandro Faleiro Marques
Diácono permanente na Arquidiocese de Belo Horizonte, professor, editor de textos para as irmãs missionárias servas do Espírito Santo, membro da Equipe de Espiritualidade da Província Brasil Norte das SSpS.