A valorização da vida

“Eu fico com a pureza da resposta das crianças, é a vida, é bonita e é bonita! Viver e não ter a vergonha de ser feliz. Cantar, e cantar, e cantar a beleza de ser um eterno aprendiz. Ah, meu Deus! Eu sei, eu sei que a vida devia ser bem melhor e será, mas isso não impede que eu repita é bonita, é bonita e é bonita.” 

 

Acredito que a re(conhecida) música “O que é, o que é?”, de Gonzaguinha (1982), pode ser um bom “fio condutor” das conversas por aqui. Eu adoro música e, diante da possibilidade de escrever para o blog SSpS Brasil, logo me lembrei dessa canção que parece um convite para celebrar a vida.

Talvez fosse interessante fazer pequenas análises de cada verso dessa música. Acho que é uma música que propicia isso e, com certeza, fazendo essas pequenas análises, eu estaria imprimindo minha ideia sobre o que é viver. Não é intenção aqui ser tão direta em minhas colocações. Pensei em trazer a música a fim de dar leveza ao tema e ter presente a dimensão da arte como um meio de pensar, falar e expressar sentimentos sobre o viver. 

Esse samba nos embala e, se for escutado junto a uma multidão, vemos formar-se um coro de infinitas vozes que cantam as estrofes e o refrão, pessoas erguendo os braços, chacoalhando os corpos com energia e vibração, como que querendo demonstrar a vontade de ser feliz. Que bom termos músicas populares que traduzem emoção e alegria ao ato de viver! “O que é, o que é?” faz parte de minha playlist, e gosto de ouvi-la nas vozes de artistas brasileiros que a eternizam em suas várias versões sobre o mesmo tema: a valorização da vida. 

Certamente, a interpretação que cada um faz da arte a torna única e plural ao mesmo tempo. São muitas as possibilidades de pensá-la, considerando o que se viveu, o que se vive e o que se têm de expectativas para viver. Passado, presente e futuro ficam tomados por questionamentos pessoais, mas não necessariamente há respostas. Acredito que a arte tem essa capacidade de abrir a mente, e o que se vê são movimentos importantes em direção ao que se quer, e assim, nestas primeiras palavras aqui colocadas, imprimo uma visão bastante otimista sobre o viver. Nessa linha mais otimista (e, por que não dizer, também mais alegre?), coloquei entre os parágrafos trechos da música de Gonzaguinha, até porque, quando se fala de vida, quanto mais forças a gente junta, mais interessante ela fica. 

 

“Mas e a vida? E a vida o que é? Diga lá, meu irmão. Ela é a batida de um coração? Ela é uma doce ilusão? Ê, ô! Mas e a vida? Ela é maravida ou é sofrimento? Ela é alegria ou lamento? O que é? O que é, meu irmão?”

 

Sendo este nosso principal tema, penso ser importante dizer de que lugar eu falo: sou psicóloga há 27 anos, minha trajetória profissional iniciou-se na Psicologia Organizacional, na área de Gestão de Pessoas e, ao fazer o mestrado em Educação, passei a ter uma estreita relação com pesquisa acadêmica, orientação de trabalhos de conclusão de curso e professora na graduação. Hoje, sou psicóloga educacional e psicóloga clínica, e me dou conta de que o que sempre norteou meus trabalhos na empresa, faculdade, clínica e, atualmente, na escola de educação básica é poder auxiliar as pessoas a terem/buscarem saúde mental para darem conta dos desafios que a vida impõe; entre eles, a valorização dela em todas as etapas do desenvolvimento humano. 

Claro que é um assunto complexo, pois se sabe que são várias as questões incidindo sobre isso. Uma delas é a nossa própria personalidade.

 

“Você diz que é luta e prazer. Ele diz que a vida é viver. Ela diz que melhor é morrer, pois amada não é, e o verbo é sofrer. Eu só sei que confio na moça e na moça eu ponho a força da fé. Somos nós que fazemos a vida como der, ou puder, ou quiser.”

 

O fato é que minha escrita não tem a ver com dicas ou fórmulas acerca de como ser feliz valorizando o que se tem. Também não cabe, neste momento, abordar psicopatologias que levam pessoas a desvalorizarem a si e à sua vida. Quero poder falar à luz de uma teoria chamada logoterapia, que tem como autor principal Viktor Frankl e sua obra Em busca do sentido (2019), e, assim, poder trazer uma dimensão psicológica aqui, na escrita. 

Frankl foi um psiquiatra e psicólogo prisioneiro em campo de concentração durante o Holocausto, na II Guerra Mundial, vivenciando situações desumanizadoras. Ele conseguiu manter a “liberdade interior” e descreveu como sentiu e observou a si mesmo e as demais pessoas, e os seus comportamentos. Como ele conseguiu fazer isso estando na situação-limite do campo de extermínio? Como conseguiu suportar? Muito intrigante essa postura! 

 

“Ouso dizer que nada no mundo contribui tão efetivamente para a sobrevivência, mesmo nas piores condições, como saber que a vida da gente tem um sentido… Nos campos de concentração, testemunhou-se que aqueles que sabiam que havia uma tarefa esperando por eles tinham as maiores chances de sobreviver” (Frankl, 2019, p. 95). 

 

A logoterapia é uma terapia centrada no sentido da existência humana. Buscar “o sentido” (ou seria “um” sentido?) é considerada uma força motivadora. 

Precisa-se, porém, chegar a um extremo na vida para olharmos para ela de forma diferente? 

Como humanidade, vivemos episódios seríssimos nos últimos cinco anos, principalmente a pandemia de covid-19 e, mais especificamente no Rio Grande do Sul, as enchentes de maio de 2024. Como pensamos a vida diante desses acontecimentos? Essa é uma perspectiva que pode trazer inúmeras possibilidades de sentimentos, creio que tudo muito relacionado às vivências de cada um, cada uma, mas também o que se viveu no coletivo, como sociedade. 

Possivelmente, para algumas pessoas, o sentido da vida é claro, já se tem a direção certa a seguir, e tudo flui. Mas, para outras, é uma incógnita, e isso se refere ao mundo adulto, pois, até a adolescência, essas questões de valorização da vida passam pela regulação familiar. Então parece primordial nós, adultos, entendermos que a infância, pré-adolescência e adolescência construirão o sentido da vida, considerando o contexto social ao qual pertencem, e o primeiro grupo social ao qual pertencemos é a família. Seria importante cada indivíduo do grupo social “família” poder reconhecer suas forças e suas limitações, e isso pode se dar por meio de psicoterapia. 

 

“Eu negaria, categoricamente, que a busca por um sentido para a existência da pessoa, ou mesmo a sua dúvida a respeito, sempre provenha de alguma doença ou mesmo resulte em doença. A frustração existencial, em si mesma, não é patológica nem patogênica. A preocupação ou mesmo o desespero da pessoa sobre se sua vida vale a pena ser vivida é uma angústia existencial, mas de forma alguma uma doença mental. É bem possível que interpretar aquela em termos desta motive um médico a soterrar o desespero existencial do seu paciente debaixo de um monte de tranquilizantes. Sua função, no entanto, é de guiar o paciente através de suas crises existenciais de crescimento e desenvolvimento” (Frankl, 2019, p. 94).

 

A escrita deste pequeno texto tem a pretensão de mostrar que o início desta conversa pode se dar por aí: pelo que estamos vivendo? Como estamos valorizando nossas vidas? Onde estamos buscando motivação? Ajudar as pessoas a encontrarem um sentido para suas vidas, sim, uma tarefa muito humana e humanizadora que pode recair sobre quem trabalha com/para pessoas: uma professora, um professor, uma freira, um sacerdote. 

Aqui, optei por trazer um pouquinho sobre a logoterapia, pois tem a ver com minhas lembranças da época da graduação. Retomar tal conceito pareceu se encaixar bem diante da temática como um todo, pois, numa proposta de processo terapêutico, a logoterapia auxilia a trazer à consciência o logos (sentido) oculto de nossa existência, preocupando-se com o sentido em potencial (o que pode ser realizado, o que podemos realizar) e nossas vontades de sentido; tudo isso indo ao encontro da realidade existencial. Essas palavras podem parecer bastante abstratas, mas, numa psicoterapia, nós nos valemos da técnica para, efetivamente, auxiliar o(a) paciente no processo de “re-conhecimento”. 

Novamente, coloco a importância disso numa perspectiva de vida adulta, primeiramente. Adultos que se tratam, que cuidam, via terapia, de sua saúde mental estarão mais “inteiros” para cuidarem da saúde mental de seus filhos.

 

“Sempre desejada, por mais que esteja errada, ninguém quer a morte, só saúde e sorte, e a pergunta roda, e a cabeça agita, fico com a pureza da resposta das crianças: é a vida, é bonita e é bonita.”

 

Por fim, mas não menos importante, quero dizer que, ao me deparar com o tema, além de pensar na arte, por meio da música (e são muitas as músicas abordando o tema vida, viva a vida, seja feliz, etc.), além de pensar na perspectiva psicológica, trazendo Viktor Frankl e a logoterapia, eu também pensei nas palavras do Papa Francisco, na Encíclica Laudato si’ (que está completando dez anos em 2025). Eu pensei porque, nos grupos católicos aos quais pertenço, a encíclica é citada frequentemente. 

Sem dúvidas, para entender toda a mensagem do Papa, necessita-se ler, várias vezes, o documento e poder-se fazer a leitura e a interpretação junto a pessoas com uma caminhada expressiva na Igreja. Então, para mim, neste momento, o que tenho são impressões gerais da Laudato si’, que trata também da valorização da vida. O ser humano poder sentir a dimensão espiritual, vivendo menos focado no consumismo e mais voltado para valores duradouros e atemporais. 

Somos parte de um mundo mais amplo, exigindo soluções integrais que considerem as interações dos sistemas naturais entre si e com os sistemas sociais. As palavras do Papa abrem um diálogo contínuo em termos de cuidado com o meio ambiente e com todas as pessoas, bem como de questões mais amplas da relação entre Deus, os seres humanos e a Terra. Sem dúvida, é a valorização da vida em sua totalidade. 

 

“Há quem fale que a vida da gente é um nada no mundo. É uma gota, é um tempo que nem dá um segundo. Há quem fale que é um divino mistério profundo. É o sopro do criador numa atitude repleta de amor.”

 

Para saber mais

FRANKL, Viktor E. Em busca de sentido: um psicólogo no campo de concentração. Petrópolis: Vozes, 2019. 

GONZAGUINHA. O que é, o que é? Composição de Gonzaguinha. In: Caminhos do Coração. EMI, 1982.

PAPA FRANCISCO. Carta Encíclica Laudato si’ do Santo Padre Francisco sobre o Cuidado da Casa Comum. Vaticano, 2015. Disponível em: https://www.vatican.va/content/francesco/pt/encyclicals/documents/papa-francesco_20150524_enciclica-laudato-si.html 

 

Karen Gregory Mascarello

Psicóloga educacional no Colégio Espírito Santo, Canoas-RS.

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