Diante de tantos fatos e feitos durante esta pandemia, como anda a afetividade? E as relações? O mundo tem passado por muitos traumas, e muitas vidas têm sido abaladas, desde crianças até idosos. Há muitas expectativas e medos. As incertezas têm operado a maioria de nossa vida.
Embora haja muitos doentes por causa do contágio com o covid-19, devido a, ainda, não existir um medicamente eficaz para combatê-lo, muitas outras doenças têm causado perturbação às pessoas. A saúde, em geral, não é apenas física, mas também psíquica e espiritual. Por isso a afetividade faz parte desse “pacote” salutar.
Afetividade deriva das palavras “afetivo” e “afeto”, abrange todos os fenômenos afetivos; muito importantes para o desenvolvimento humano. A afetividade, no sentido positivo, cultiva bons sentimentos, momentos prazerosos e trazem sensação de bem-estar. Por isso a importância de sermos amáveis com os outros (pessoas, animais e toda a natureza), pois afetamos, também, os demais, deixando boas impressões. No sentido negativo, a afetividade nos transmite medo, insegurança e até síndrome do pânico, pois nos transmite desconforto, momentos desagradáveis, gerando violência. Não podemos nos calar diante de tanto feminicídio (Brasil em quinto lugar no mundo), diante de tantos adolescentes, jovens e trabalhadores negros mortos, tanta desigualdade social…
A palavra “pânico” vem do grego e tem um significado relacionado ao deus Pã. Na mitologia grega, essa entidade é o espírito guardião da floresta, dos bosques, protetor dos animais e dos pastores. Sua figura é representada metade homem e metade pernas de bode, e sobre sua cabeça, há chifres. O mensageiro Hermes o levou para o Olimpo quando ele era pequeno, para servir de mascote aos outros deuses, e passou a ser considerado um semideus. Mas Pã, quando cresceu, preferiu viver na floresta, já que era considerado preguiçoso.
Pã gostava de brincar com as ninfas, e uma delas, por quem ele era apaixonado, disfarçou-se em caniço. Contudo Pã, quando soprou, o som que saiu de um deles foi tão lindo que fez uma flauta. Por isso, ele passava o tempo tocando flauta (flauta de Pã). Os humanos, ao atravessarem a floresta, sentiam muito medo, pois, sabendo que ele dormia lá, entravam em “pânico”, pois Pã, quando dormia, ficava muito irritado se fosse acordado. Na mitologia romana, Pã é conhecido por Lupércio. Na Idade Média, a figura foi confundida com a do Diabo, que é considerado mal.
A partir da figura mítica acima ilustrada, podemos refletir nossa afetividade. Nosso interior pode estar ouvindo lindas melodias ou, de repente, entrar em pânico, porque estamos nos sentindo ameaçados por uma situação desconhecida, afetando, assim, nossas relações. A dor, quando é insuportável, restringe o uso da razão, e o que ocorre, muitas vezes, é desafeto.
É importante mantermos a serenidade diante das circunstâncias que se nos apresentam e buscarmos o discernimento para agirmos de modo adequado nas relações: estamos tendo a paciência com as crianças e os idosos? Estamos sendo humildes ao aprender um serviço que não era executado? Somos compreensivos com o outro que cometeu uma pequena falta? Somos perseverantes diante da dificuldade? Ou usamos a tortura?
Nossas relações têm várias dimensões: psicopessoais, sociais, culturais, socioambientais. Em cada uma delas, devemos perceber como anda a repercussão de nossas atitudes, condutas na família, no círculo de amizade, no trabalho, no lazer, na comunidade religiosa. A preocupação com o outro é um indicador importante, pois a vida é como um “bumerangue”: o que você lança voltará.
Nesse sentido, nossa relação com o meio ambiente está retornando aos poucos. Procuremos cultivar mais flores e frutos, cuidar melhor dos animais, cultivar a paz a nosso redor. Cada semente plantada é uma árvore em potencial, já dizia um filósofo antigo. Então cada gesto solidário é um bem à coletividade. Cada palavra dita será uma nova história escrita. Cada oração será fruto do coração.
Seja solidário, solidária! Respeite! Se preciso for, denuncie!
Maria Terezinha Corrêa
Mestre em Antropologia, especialista em Ensino de Filosofia, graduada em Filosofia e Pedagogia, Teologia pelo Mater Ecclesiae, professora de Filosofia, filiada à ABA, APEOESP e SBPC; membro da Comissão de Prevenção à Tortura pela ALESC, voluntária na Pastoral da Pessoa Idosa pertencente à Arquidiocese de Florianópolis.