Amazônia, rios de histórias

O Brasil é um país privilegiado tanto por possuir uma imensa extensão de terras quanto por ser irrigado pelo maior rio do mundo, o Amazonas. Cinco de setembro é o Dia do Estado do Amazonas. Essa data foi escolhida por Dom Pedro II, quando, ainda em tempo de Monarquia, foi criada a Província do Amazonas, conforme a Lei nº 582, de 1850, hoje o Estado do Amazonas. Esse dia também é celebrado o Dia Internacional da Mulher Indígena. 

Nos fins do século XIX e começo do século XX, no Brasil, muito se falava em látex, guaraná. Neste século XXI, a produção do açaí, do cupuaçu e outros produtos da Amazônia aumentaram conforme passaram a fazer parte da indústria brasileira, entre outros interesses econômicos.

Não há como falar do Estado do Amazonas sem incluir toda a Região Amazônica, pois toda a floresta tem seus igarapés que vão desaguar nos afluentes do rio de mesmo nome da unidade federativa. Em todas as margens, há muitas histórias vivenciadas e construídas tanto por povos indígenas quanto por famílias ribeirinhas.

O Norte brasileiro, pertencente à Amazônia Legal, tem sido motivo de especulação internacional por sua biodiversidade, por ser a maior floresta tropical do mundo. As riquezas das bacias hidrográficas favorecem toda a peculiaridade da flora e da fauna dessa região, pois somente 1% das águas de nosso planeta é utilizável. Enquanto países, como Israel e várias nações do Norte da África, Oriente Médio e Sul da Ásia, têm a água como um precioso líquido, sendo até questão de vida ou morte, o Brasil, por sua vez, tem 16% da água potável no mundo só na Bacia Amazônica. No entanto, grileiros, garimpeiros e madeireiras têm desmatado e poluído o território, desrespeitando leis ambientais.

Foi por meio das águas dos rios amazônicos que os conquistadores europeus se aventuraram na busca de “El Dorado”, onde imaginavam encontrar tesouros. Até hoje, ouvimos noticiário de garimpos extraindo ouro e pedras preciosas em terras devolutas e relatos de mortes de líderes defensores dos direitos humanos. O ambiente rico e diversificado de sociedades humanas, com grande complexidade econômica e satisfação cultural, tem causado muitas situações de escravização e até de extermínio, como o caso do indigenista Bruno Araújo e do jornalista Dominique (Dom) Phillips. 

Desde a exploração das drogas do sertão e o ciclo da borracha (séculos XIX-XX) na Floresta Amazônica, a sociodiversidade não foi tratada com a devida atenção. Migrantes do Nordeste fugidos da seca ou levados de lá foram “sangrar” a seringueira, com a expectativa de terem uma vida melhor. Com a queda da borracha, na década de 1920, a Região Amazônica viveu um abandono político, mantendo-se economicamente pelos produtos naturais da floresta e por seus festejos de santos, comuns nas comunidades beiradeiras. 

Nas décadas de 1960-1970, o governo brasileiro, com o projeto de integração da Amazônia, incentivou a ocupação dos “espaços vazios”, o que passou a influenciar a vida doméstica tanto das várias populações indígenas quanto de seringueiros que se situavam nas margens dos rios. As famílias rurais amazônidas, até hoje, vivem da água dos rios, que ainda não recebe qualquer tratamento após o surgimento de cidades, e, consequentemente, tem causado muitas doenças a seus moradores, principalmente crianças. A maior parte dessa região não tem saneamento básico.

O maior rio do mundo em volume d’água, o Amazonas, tem muitos afluentes, entre eles os rios Solimões e Madeira. Este último nasce na divisa do Brasil com a Bolívia, dos rios Beni e Mamoré. Segundo pesquisas, o rio Madeira era conhecido como divisor dos limites entre terras espanholas e portuguesas no século XVII. Ele é a principal via fluvial da Região Sul do Amazonas, o que deu o nome à primeira estação ferroviária em Porto Velho, Madeira-Mamoré. Todavia a situação de fronteira não é só geográfica, mas também cultural, demonstrando que há “uma historicidade de encontros e de desencontros, de alteridades”. Em cada rio, uma história de degradação do ser humano que ali estava estabelecido.

Por detrás da aparência pacata da população, ouve-se queixa de mulheres por causa do filho ou do marido que se envolviam em brigas, devido a um acentuado grau de agressividade em dias de festejos. O alto consumo de bebidas alcoólicas, principalmente da cachaça e da cerveja, fazia-se notório nos dias desses eventos, [1] ocasionando transtornos morais e familiares.

“Situação de fronteira”

Na história oficial, ressalta-se a bravura daqueles que desbravaram as matas, “amansaram” o índio, contribuíram para o engrandecimento tanto da “Coroa”, nos tempos ibéricos e monárquicos, quanto da República, com a “integração da Amazônia”. Com a abertura da Transamazônica, houve a colonização das terras à beira da estrada, causando, assim, um “subimento” de brasileiros do Sul e do Sudeste, em particular do interior paulista. 

É nos festejos, contudo, como o de Santo Antônio e o da Imaculada Conceição, padroeira do Estado do Amazonas, que é visível constatar que se permanece o valor da troca (não no sentido econômico) e a seriedade do gesto de generosidade nos leilões de frangos. Tensões entre o catolicismo oficial e catolicismo rústico permeiam esses festejos, pois, embora a religião queira controlar os atos litúrgicos, a crença nos encantados ou atos mágicos fazem parte do modo de festejar dessas populações.

O encontro de turistas e cidadãos brasileiros de outras regiões do Brasil com grupos étnicos minoritários, no contexto social, político e histórico, subordina-se, então, a essa “situação de fronteira”, vista como lugar de “desencontro de temporalidades históricas” (Martins, 1997). Por isso, o diálogo antropológico e sócio-histórico deve sintonizar para haver uma boa interpretação dos significados das dimensões simbólicas das práticas sociais.

Os estudos feitos sobre as populações indígenas, que muito têm contribuído para a descoberta de nossa plurietnicidade cultural brasileira, fazem-se necessários. A compreensão da “tupinização” (Vaz, 1996) daqueles que garantem a vida saudável de nosso maior patrimônio universal e que preservam a Amazônia, os povos da floresta, é uma forma de interpretar, depois destes 523 anos de imperialismo colonial, o modo de vida dos que vivem das águas dos rios de histórias. Preservemos as vidas de nossas florestas!

Nota:

[1] Segundo estatística da Diocese local, em 1994, 75% das famílias foram afetadas por conflitos gerados pelo uso abusivo de bebida alcoólica. Segundo o delegado da cidade, nas festas, esses conflitos multiplicam-se, pois a agressividade se torna pública e constrangedora, tornando-se casos de violências mais comuns. Essa preocupação também é assunto entre os oficiais do 54º Batalhão de Infantaria e Selva, e uma explicação para o aumento de grupos de Alcoólicos Anônimos (AA) nos ambientes urbanos e rurais.

Maria Terezinha Corrêa
Mestranda em Filosofia e mestra em Antropologia, especialista em Ensino de Filosofia, filiada à ABA, à APEOESP, à SBPC, à Aproffib e Sintram; membro da Comissão de Prevenção e Combate à Tortura (ALESC); voluntária na Pastoral da Pessoa Idosa, ligada à Arquidiocese de Florianópolis.

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