“Eu vos chamo amigos, porque vos dei a conhecer tudo o que ouvi de meu Pai” (Jo 15,15)
Continuamos vivendo o percurso pascal; no relato do evangelho deste domingo, a Páscoa se expressa como o tempo dos três “as”: Amor, Amizade e Alegria.
O evangelista João põe na boca de Jesus um longo discurso de despedida, no qual recolhe aquilo que será a marca distintiva dos seus seguidores, para serem fiéis à sua pessoa e ao seu projeto. E a identidade original de quem o segue será a vivência do amor. Fomos criados à imagem do Deus que é amor; por isso, trazemos, no mais profundo do nosso ser, a “chama do amor divino”.
O amor que Jesus nos pede tem de surgir a partir de dentro; trata-se de manifestar o que é Deus no mais profundo de nosso ser. Quando amamos, não é preciso dizer que Deus está em nosso coração, porque, de uma maneira melhor, estamos no coração de Deus, participamos do próprio dom de seu amor. Encontramo-nos, assim, envolvidos pelo amor de Deus.
Indecifrável como a obra de arte, o Amor nem se define, nem se enquadra: é cada vez outro, novo, surpreendente, desconcertante…, embora tão antigo.
- João nos diz que “Deus é Amor (Ágape), e aquele que habita no Amor, habita em Deus e Deus habita nele” (1Jo 4,16). Portanto, é proposto ao ser humano uma experiência. Ele é chamado para exercitar sua capacidade de gratuidade e graça. Em um mundo onde tudo se paga, onde nada é gratuito, ele é chamado a ser presença gratuita, a viver a graça e a gratidão.
O amor que Deus tem por nós é absolutamente desinteressado, ativo e criativo, gratuito e livre. Ama aqueles que não são valorizados, aqueles que são desprezados e excluídos. O seu Amor é que valoriza o outro. A criatura não é amada porque tem valor por si mesma, mas tem valor porque é amada por Deus, que lhe comunica generosamente a sua própria riqueza. Nisso consiste a Criação: Deus, num transbordamento do seu amor intratrinitário, deu o ser ao que não era nada.
Criados à imagem e semelhança do Deus Amor, somos capazes de Amor-Ágape, de amar aquele que não nos ama e não devemos nos privar dessa liberdade.
Não é porque as pessoas são amáveis que devemos amá-las; é na medida em que as amamos que são (para nós) amáveis. A caridade é esse amor que não espera ser merecido, esse amor primeiro, gratuito, espontâneo e que, de fato, é a verdade do amor. Uma liberdade de amar o outro em sua diferença, de amar o divino no outro, de amar o outro como a nós mesmos, reconhecendo-nos nele.
Para aprender a amar, é preciso sair de nossos hábitos, sair do conhecido; aprender a amar é sempre uma aventura. Se entrarmos nessa aventura, nossa vida será virada pelo avesso e completamente questionada.
Esse amor, ativo e primeiro, suscita em nós a gratidão que nos leva a corresponder com um amor-serviço; o amor sempre se faz serviço, assim como todo serviço é inspirado e sustentado pelo amor. Trata-se da mística do “serviço por puro amor”. Por isso, esse amor é fonte de alegria, ou seja, um estado permanente de plenitude e bem-estar. Sem amor, não é possível dar passos em direção a um cristianismo mais aberto, cordial, alegre, simples e amável, onde possamos viver como “amigos” de Jesus.
Da mensagem de Jesus ressoa a surpreendente frase de sua despedida: “Eu vos chamo amigos, porque vos dei a conhecer tudo o que ouvi de meu Pai”.
Quem vive o mandamento do amor é, por isso mesmo, “amigo de Jesus”; e a amizade se mostra em ser introduzidos na intimidade de Jesus com seu Abbá, em ser confidente de Jesus. Jesus não pede a seus discípulos que sejam perfeitos em tudo: só no amor e na misericórdia.
“… se fizerdes o que vos mando”; tradução empobrecida, pois entre amigos não há quem manda, mas acolhida mútua. É como se Jesus dissesse: “sereis meus amigos se entrardes no circuito do amor que flui do Pai, passa por mim e circula entre vocês”; “sereis meus amigos se entrardes em sintonia com o amor ágape que brota do meu coração”. O amor é movimento, circula reforçando os laços, acolhendo… O amor é expansivo e contagiante. O amor une corações.
Quando falamos de amizade estamos falando de gratuidade, de lealdade, de igualdade, de não pedir nada em troca, de partilhar sem passar recibo… A amizade seja talvez a melhor relação humana que existe; é gratuita, livre, simbiótica. Dizer de alguém amigo é um tesouro. Os amigos se conhecem bem, há sinceridade entre eles, desejam sempre o bem do outro, sabem acompanhar as diversas situações da vida, aprendem a escutar e a dizer livremente para o bem do outro. A amizade é um lugar de acolhida contínua, de sentido do humor e de ajuda mútua.
Por isso, um(a) amigo(a) é um tesouro, e aquele(a) que tem um(a) amigo(a) tem uma conexão direta com as mais autênticas essências da vida.
A amizade é caminho compartilhado. Ninguém faz caminho sozinho, fazem juntos, e assim são amigos. A amizade implica neste plano “com-corrência” (correr juntos, para assim ajudar-se uns aos outros). Amizade é “co-laboração” (trabalho compartilhado). Frente àqueles que entendem a vida como luta ou competição, frente àqueles que procuram combater ou silenciar-se no processo da vida, frente àqueles que oprimem e dominam os outros, os amigos cooperam, se respeitam e trabalham juntos. Os amigos verdadeiros deixam de lado as opções partidaristas, os egoísmos particulares, e integram-se na busca comum, com a alegria de estar unidos, compartilhando os desafios e as perdas. Quem não sabe ou não quer colaborar na obra comum nunca será verdadeiro amigo.
Amigos são aqueles que se querem por querer-se, sem buscar a amizade por outros interesses. Mas a mesma amizade faz com que eles se ajudem em gesto de benevolência ativa: acolhem-se, perdoam-se, potenciam-se uns aos outros.
Desprovida de interesses mesquinhos, a amizade vale por si mesma, não pelo que faz. Mesmo assim, a autêntica amizade é a mais eficaz, pois sempre se expressa em gestos concretos de ajuda mútua. O que importa mais é uma existência compartilhada: ideais e busca, êxitos, fracassos, vida.
Por isso, a amizade com a marca cristã se inspira n’Aquele que se revelou Amigo de todos, sobretudo dos mais pobres e excluídos.
De uma comunidade cristã que deixa transparecer o Amor e prolonga a Amizade de Jesus, nasce a alegria. Só o amor profundo e a amizade sincera é fonte de alegria, de prazer completo. Assim desejava Jesus para sua comunidade: alegre, mensageira, aberta ao diferente… O amor e a amizade fazem de cada cristão um(a) irmão(ã) universal.
Alegria que brota do interior e é um dom do Espírito. “O fruto do Espírito é: amor, alegria” (Gl 5,22). Este dom nos faz filhos(as) de Deus, capazes de viver e saborear sua bondade e misericórdia.
O vocábulo “alegria” está carregado de emoções, sentimentos e aspirações nobres. Vincula-se ao estado de plenitude humana, à criatividade, ao entusiasmo, ao prazer, ao contentamento, à satisfação, ao regozijo, à felicidade. “Bem-aventurados os que sabem rir de si mesmos: nunca cessarão de se divertir.”
Ao nosso cristianismo lhes falta, com frequência, a alegria daquilo que se faz e se vive com amor. Ao nosso seguimento de Jesus Cristo nos falta o entusiasmo da inovação e nos sobra a tristeza daquilo que se repete sem a convicção de estar prolongando o que Jesus queria de nós; predomina, muitas vezes, uma vivência cristã marcada pelo medo, pelo legalismo, pelo ritualismo… e não pelo entusiasmo de sentir-nos colaboradores do Mestre da Galileia.
Não é correto que os cristãos associem com tanta frequência a fé à dor, à renúncia, à mortificação, mas à alegria, à vida em plenitude.
A “perfeita alegria”, como dizia S. Francisco de Assis, é o horizonte da Páscoa que, desde agora, dá sentido e plenifica nossa existência cotidiana. Não fomos destinados a viver em “vale de lágrimas”.
Texto bíblico: Jo 15,9-17
Na oração: faça uma leitura das “marcas” do Amor de Deus em sua vida; crie um clima de ação de graças.
– Faça memória dos(as) amigos(as) que foram ou são verdadeiros tesouros para você.
– Sua amizade com os outros está iluminada pela amizade de Jesus: gratuita, compassiva, aberta, acolhedora…?
Padre Adroaldo Palaoro, SJ
Diretor do Centro de Espiritualidade Inaciana (CEI).