Amor fantasma

Há pouco tempo, li uma matéria sobre amor fantasma. Aquele que aparece e se proclama “eterno” e, num clique, some, desaparece. Encontrei também o amor fantasma poetizado em canções musicais que realçam o abandono e o sofrimento emocional que daí decorrem. Há um lamento sentimental do amor perdido cujas lembranças trucidam a alma do abandonado.

Aqui vou me deter em algumas considerações que me parecem ajudar a entender o significado da expressão aplicada às relações entre pessoas que se apaixonam e fazem juras de amor e, de uma hora para outra, tudo se dissolve como se fosse palha ao fogo. Uma das partes (ou ambos) decide livrar-se do outro, porque perdeu o interesse. Há um descarte de um ou de ambos reciprocamente. O amor se torna volúvel, não permanece, não cria raízes. Diante do menor dissabor, há motivos suficientes para o abandono. O amor vira fantasma, porque aquilo que parecia tão profundo e encantador já perdeu seu sabor e seus encantos, e então é hora de se buscar outra experiência com outra pessoa. E assim se passa de amor fantasma em amor fantasma, e tudo some num passe de mágica. 

Há uma tendência em nome da liberdade, é aquela de se evitar todo compromisso duradouro e a responsabilidade se compromete apenas com o que causa prazer imediato. Em nome do bem-estar e da autossatisfação, só vale o que agrada às sensibilidades imediatas. A necessidade de consumo é tal que o apetite por novas experiências ou aventuras se multiplicam randomicamente. 

Vivemos numa sociedade “do de repente”, em que algumas coisas ganham prioridade quase absoluta. Entre elas, aquelas impostas pela lei do mercado, que exige das pessoas resultados e consumo. Para isso, a pessoa precisa se preparar para competir. Vale mais quem dá mais lucro. Em consequência, é necessário gerar consumo. Quanto a isso, a mídia se encarrega de bombardear mentes e corações com estímulos que vão direto às necessidades instintivas, que, por sua vez, “obrigam” os consumidores a comprarem. Tudo precisa ser imediato (precisa-se do capital de giro). Para comprar, precisa-se ter dinheiro e, para ter dinheiro, precisa-se trabalhar, e ter mais exige horas extras. 

Há os prazeres imediatos provindos da boca: “comer”; há os prazeres nutridos pela autoestima: “busca de status e certificados de reconhecimento”; há aqueles relativos à vida afetiva vinculados à sexualidade e a trocas afetivas: “supridos pela relação afetiva/sexual”. Tudo se resolve pelas facilidades que a tecnologia já dispõe, de modo especial pelos “influencers digitais” (mediadores entre marcas e consumidores). 

A inteligência artificial já se torna um campo de domínio público. Basta um treino para agilizar os “cliques”, e os “logaritmos” facilitam as coisas. Nosso mundo é marcado pela celeridade e o imediatismo. Esperar cansa! O consumo é para hoje, não pode esperar “amanhã”. Nesse contexto, entra a questão do amor fantasma. 

Assim como se consomem as coisas que o dinheiro possibilita, assim se dá nas relações interpessoais e amorosas. O outro interessa enquanto for objeto de consumo. Satisfeitos os desejos, não há mais compromisso, enjoa-se, não se despertam mais sentimentos de estabilidade. Por isso o descarte é inevitável. Em muitos casos, feitos “numa boa”, conservando a “amizade”. 

Dito de outra forma, as juras de amor viraram fantasma, apareceram e desapareceram na mesma velocidade. As consequências disso cada um suporta como pode. Aos poucos, o amor vai virando ilusão e, cansados de decepções, opta-se por não mais criar vínculos permanentes. A frustração fica latente dentro de cada um, causando infelicidade e desgosto pela vida. Em casos extremos, a saída é o suicídio.

A dificuldade em fazer renúncias, suportar sofrimentos, na mentalidade hodierna, tornou-se insuportável, fora de todo cardápio. Contudo, queiramos ou não, a felicidade está ligada ao modo como lidamos com essas condições que fazem parte da vida. Para se suportarem renúncias e sofrimentos, é preciso ter motivos que lhes deem sentido. Estes se apoiam em ideais de longo prazo. A vida não se satisfaz plenamente só com o imediato a ser consumido. 

Podemos dizer que há dois tipos de “fome”, uma satisfeita por aquilo que vai à boca, outra que nasce do espírito, cuja satisfação é de outro nível. A “fome afetiva/sexual” pode (ilusoriamente) ser satisfeita pelo prazer causado na relação, mas o afeto mais profundo da alma se nutre noutra fonte que não é aquela da volúpia do corpo. O verdadeiro amor se esconde em outro amor maior, disponível a todos, desde que buscado fora da satisfação imediata. Ele está em Alguém extracorporal. Em outras palavras, lá onde está, de verdade, o amor eterno, que não é fantasma nem se esgota.

Muitas pessoas, desiludidas em suas relações interpessoais e amorosas, passam a viver a solidão como companheira que cria um mundo de fantasias para suportar os fracassos das relações. Uma tentativa desesperada de encontrar alívio para as dores acumuladas pelos “amores fantasmas” que passaram por sua vida.

O amor fantasma virou fantasma do amor, para não dizer “antiamor”. A vida perdeu sua graça, porque a graça do amor virou amor fantasma. 

 

Padre Deolino Pedro Baldissera, SDS

 

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