Muitas pessoas que conheço nutrem um enorme desejo de, um dia, ancorados por uma estabilidade financeira, quererem saborear os frutos da aposentadoria. Um desejo justo, já que o trabalho e todas as obrigações atreladas à atividade profissional exigem e acompanham os indivíduos por toda uma vida. Creio, contudo, que esse sonho, se olhado com mais critério, poderá trazer certo desespero quando ele se realizar de fato.
Existe uma parcela da população que já transita por esse lugar. Após anos de dedicação em escritórios, escolas, empresas e demais áreas de atuação, veem-se desprezados e improdutivos. Falo isso por experiência própria, pois venho de uma família que batalhou muito para usufruir conquistas importantes. Um imóvel para morarmos, um carro para viagens e emergências e até mesmo a aquisição de uma linha telefônica que, à época, custou muito caro para nosso padrão econômico.
O tempo foi passando, nós, os filhos, fomos crescendo e demos início à nossa jornada. O barulho de antes, com brincadeiras, música alta e pedidos comuns de qualquer criança – “MÃE, TÔ COM FOME!”, “MÃE, O EMERSON NÃO QUER ME EMPRESTAR A BOLA!” – foram substituídos por dias menos barulhentos, por refeições mais tranquilas, e a casa passou a ser reflexo do presente de meus pais.
Eles deixaram de ser pai e mãe e se transformaram em avós, que já não tinham o mesmo vigor físico de antes. Iniciaram um processo de inércia e tristeza. Chegava a machucar o coração quando ouvíamos nossos pais dizerem: “Nossa, ainda lembram que têm pai e mãe?”. Fomos percebendo que estavam desanimados e infelizes, pois já se viam com a obra de suas vidas acabada.
Até que um dia, despretensiosamente, um convite chegou a seus corações: “Dona Marlene, sr. Joel, vocês teriam um tempinho na semana para nos ajudar a montar algumas cestas básicas que serão entregues aos carentes da Favela do Moinho?”. Como um sopro de vida, aquele simples convite feito pela Pastoral Social de nossa comunidade religiosa devolveu a meus “bons velhinhos” a alegria de uma vida em doação. Já haviam se dedicado tanto a cuidarem de nossa educação que essa missão ainda estava latente e necessitava ser revisitada.
Daquele primeiro convite para montar algumas cestas básicas, eles foram descobrindo que poderiam contribuir com a vida de muitas famílias nos serviços da Igreja, como ministros da comunhão, como palestrantes do Encontro de Casais com Cristo, fazendo lanche e cuidando de crianças na festa de Nossa Senhora Aparecida… Hoje, algumas caixinhas de remédios estão aposentadas no fundo de uma gaveta, quase esquecidas, da mesma forma que aquelas lembranças que antes serviam apenas para roubar o sorriso de meus pais.
O ócio que nasceu com o fim do trabalho formal deu espaço à alegria de servir os necessitados. Parafraseando Jesus, muitas ovelhas, de outros redis, também foram alcançadas. Hoje dificilmente encontro meus pais em casa. Estão pelo caminho, lançando as sementes que tanto nos ensinaram a cultivar.
Acredito que essa é uma realidade imutável. O trabalho é parte integrante e necessária para a realização de cada pessoa. Temos de entender que a percepção do trabalho atualmente não está unicamente relacionada ao formal, e sim a todas as atividades realizadas pelo homem, que busca o crescimento de si e do outro, com ou sem remuneração. Essa ação laboriosa cria um caminho para a alegria e criatividade, fazendo fecundo o solo dos sonhos e da realização pessoal.
Max de Oliveira Faria, professor de Filosofia, Ensino Religioso e Educação Física; especialista em Educação Escolar e Grupos Especiais; membro da Equipe da Dimensão Missionária do Colégio Espírito Santo, em São Paulo-SP.