Cansados de amar

Encontrei alguém que me disse que estava “cansado de amar”! Estranhei o fato, mas, na conversa que tive, notei que havia errado de endereço na busca do amor. Essa pessoa se enganara na compreensão dele. Reduzira o amor ao erótico. Para entender melhor, vejamos algumas considerações.

Os gregos, quando queriam se referir ao amor, tinham palavras diferentes para definir o tipo de amor. Tinham as palavras “Eros”, “filia” e “ágape”. 

Eros (deusa do amor) era o referencial para falar do amor erótico, ligado à sensibilidade. Ele era despertado pelo olhar, pelo toque, que acionavam as fantasias e os desejos de possuir o “objeto” desejado para desfrute do prazer que ele proporcionava. Essa relação erótica estava ligada sobretudo aos desejos e instintos sexuais. Portanto o objeto do desejo era visto como necessário para a satisfação própria, sem considerar o outro como tal. O outro desejado por seu corpo.

O amor traduzido pela filia era aquele que encontrava no outro alguém com quem podia estabelecer um vínculo de confiança, em quem podia confidenciar experiências pessoais, desenvolver uma amizade. Ambos, os parceiros da amizade, podiam viver à distância, sem necessidade de conviver diariamente ou encontros frequentes. A filia é a relação de amigos, independentemente de sexo ou idade. O vínculo da amizade estabelece um apreço mútuo, em que se respeitam os limites e se aceita o outro como é. Mantém uma proximidade afetiva, mesmo estando longe.

O amor ágape é aquele que une pessoas em profundidade. Há uma comunhão de vida em que um se compromete com o outro em todos os aspectos. Compartilha-se todo o ser e o ter. Normalmente esse tipo de amor exige presença e aceitação incondicional um do outro. Há uma “cumplicidade” de vida. O que acontece com um repercute no outro. O outro é respeitado por aquilo que é e aceito como é. Sua ausência é sentida com um certo sofrimento emocional. Quando se separam momentaneamente, um continua no pensamento do outro e, com saudade, espera pela volta, pelo reencontro. Nesse tipo de amor, pode se manifestar também os dois outros acima relatados. Podem existir o erótico e a amizade. Trocam carícias sensuais e se fazem dom de si para o outro, trocam confidências pessoais e se respeitam mutuamente.

Dito isso, analisemos agora os “cansados de amar”. Em nossa sociedade, é com frequência que vemos pessoas que se cansam em seus relacionamentos. Começam com “juras de amor eterno” e, depois de passada a “lua de mel”, enfraquecem a relação, e começa o distanciamento afetivo. Aos poucos, o esvaziamento na relação de um para o outro leva à separação (amigável ou litigiosa) e começa a busca de outro que preencha o vazio afetivo. Muitas dessas situações ocorrem porque se pensou apenas no amor erótico e não se criaram vínculos mais profundos de filia e ágape. A atração pela beleza física e sensual termina. Os anos se encarregam de mudar. Quem se casa com a beleza física do outro como motivação para o amor está decretando, desde o início, seu fim antes do tempo.

Muitos nutrem a ilusão de que se pode viver de amor Eros; quando se cansa de um, muda-se para outro mais atraente. Na verdade, enquanto se fica nesse rodízio, a vida vai passando e esvaziando-se do verdadeiro significado que somente é encontrado no amor ágape. 

Vejo na tevê tantas pessoas famosas se expondo e se apresentando como “modelos” identificadores, sobretudo para os jovens, de como se deve viver a vida. Falam com desinibição de suas experiências amorosas falidas (de seus “cansaços do amor”!) de suas trocas de parceiro, parceira, sob a justificativa do direito de ser feliz. “Cansados de amar”, acontece o descarte mútuo. Pauta-se a felicidade pelo efêmero. O horizonte pobre por que o outro é desconsiderado em sua verdadeira dignidade e valor como pessoa. Vale enquanto satisfaz. Não há compromisso duradouro, tudo deve satisfazer imediatamente; caso contrário, não vale a pena investir. 

Muitos problemas de ordem familiar, de relacionamentos, de convivência se tornam críticos porque se abraçou a ideologia hedonista que “cultua” a deusa Eros (ou Afrodite), em que cada um olha apenas para si como medida de tudo. O que vale é o que pensa, o que sente, o que satisfaz. Ignora-se a alteridade do outro. Nessa dinâmica de vida, o Eros é quase um valor supremo, definidor da vivência amorosa. Perde-se o sentido do amor ágape anunciado e vivido por Jesus como fonte da verdadeira vida. Ninguém será feliz se não estiver no caminho do amor ágape.

Aos “cansados de amar”, uma sugestão: “revejam as fontes que nutrem seu amor”. Caso contrário, o “cansaço de amar” fica crônico e terá um fim desastroso, engolindo a vitalidade da vida que anseia por ágape.

Padre Deolino Pedro Baldissera, SDS

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