Deus é especialista em surpreender e desatar as “certezas” de nossa lógica humana. Um adolescente cristão tornou-se mais um farol a iluminar este difícil início de milênio. No dia 10 de outubro, foi beatificado, na emblemática Basílica de São Francisco, em Assis, Itália, Carlo Acutis.
Ao ouvir falar do “descolado” jovem, figura cada vez mais celebrada nas redes sociais, logo pensei que ele seria mais um desses personagens “fofinhos”, muitas vezes instrumentalizados por grupos demasiadamente católicos, mas pouco cristãos. Por pura curiosidade, confesso, e enquanto não ficava pronto o almoço, procurei sua biografia. Ao ter contato com a vida do novo bem-aventurado, veio-me um choque, sobretudo ao saber de detalhes de seus últimos dias neste mundo.
Depois de ser diagnosticado com leucemia fulminante, Carlo, então com 15 anos, viveu poucos dias. Não se deixou abater pelas dores. Sempre depois de um sorriso, dizia a médicos e enfermeiros que estava bem e havia gente a sofrer muito mais. O jovem morreu às 6h45min de 12 de outubro de 2006, em Monza.
Em seu velório, havia amigos, parentes e colegas de escola. Mas, para meu embaraço e emoção, também migrantes, pessoas que viviam nas ruas, trabalhadores… Os lascados da vida, tão queridos de Jesus, foram prestar-lhe as últimas homenagens. Pessoas a quem o adolescente ajudava como podia. Naquelas testemunhas, estava uma espécie de resumo do apostolado de um santo de nossos tempos. Conforme seu desejo, o jovem foi sepultado em Assis.
Carlo nasceu em 3 de maio de 1991, em Londres, e era filho de uma família de remediada situação econômica. Por causa do trabalho do pai, Andrea Acutis, tiveram de se mudar para Milão, no Norte da Itália. Segundo a mãe, Antonia Salzano, eles não eram uma família devota. O filho tinha um dom inato para o sagrado, mas sem deixar de ser uma criança como as outras. Gostava de desenhos animados, videogame, animais de estimação, de brincar com os amigos.
Talvez seja essa própria vida “normal” o maior sinal de sua santidade. Isso o torna um modelo não apenas para os jovens, mas para todos nós, batizados e batizadas. Tinha os pés no chão e o olhar em Deus e nos irmãos. Constantemente, Carlo nutria-se com o Pão da Palavra e da Eucaristia. Tinha o hábito de buscar o sacramento da reconciliação. Com sabedoria, comparava os pecados ao peso que impede um balão de subir ao céu.
Não ser cópias
“Tornem-se o que comem! Vocês comem o Corpo de Cristo, tornem-se Corpo de Cristo”, dizia Santo Agostinho. E assim o fez Carlo. Os inúmeros momentos diante do sacrário, sua prática sobretudo antes e depois da missa, transformaram-se em fecundas ações de misericórdia. “Quanto mais recebermos a Eucaristia, mais nos tornaremos como Jesus, para que, nesta terra, tenhamos uma antecipação do Céu”, escreveu em seu site.
Com a mesada, comprou agasalhos para os que viviam nas ruas. Ajudava a distribuir alimentos aos mais necessitados. Tinha compaixão pelos migrantes, sentindo com eles a dor de terem abandonado a terra natal. Era amigo de trabalhadores simples, aos quais chamava pelo nome. Muitas de suas iniciativas de amor ao próximo foram descobertas apenas no dia de sua morte ou depois. Seu testemunho foi o “fermento do Reino dos Céus”, o qual, no oculto e no silêncio, faz crescer o pão (cf. Mt 13,33).
Na exortação apostólica Gaudete et Exultate: sobre o chamado à santidade no mundo atual, o Papa Francisco destaca algumas características de quem emana a santidade de Deus (algo a que todos nós somos convocados). O adolescente Carlo encaixa-se em muitos desses traços.
Ele tinha disciplina na oração e demonstrava ternura e respeito aos colegas, sobretudo quem tinha mais dificuldade de aprendizado, passava por problemas familiares ou sofria bullying. Era reconhecido pelo humor e alegria, sinal de quem realmente crê no Deus da Vida. Exímio em Informática, procurou usar seus dons para anunciar pela internet apenas o bem e o Evangelho. Poucos meses antes de morrer, organizou um site sobre os chamados “milagres eucarísticos”, assunto com o qual era fascinado.
“Todos nascemos originais, mas, muitos de nós morremos como fotocópias”, disse certa vez o novo bem-aventurado da Igreja, incentivando os colegas a descobrirem os próprios dons. Era uma elogiosa subversão de Carlo a um dos males dos temos de hoje: a conformação. Uma poderosa engenharia social, econômica e cultural que procura moldar indivíduos e nações inteiras a padrões estranhos, a gosto dos dominadores.
Não posso deixar aqui de recordar outros jovens. Em Carlo, vejo moças e rapazes os quais, no anonimato, na alegria e na honestidade, dão a vida para manter as famílias, muitas vezes esfaceladas. Como o adolescente da Europa, há muitos por estes lados, cada um a seu modo, vivendo as santidades que podem. Benditos sejam!
Na era das notícias falsas
Com razão, o novo bem-aventurado começa a ser aclamado como “ciberapóstolo”. Repercute amplamente também o desejo de que ele seja proclamado patrono cristão da internet. Pelo jeito, Carlo Acutis vai ter trabalho para interceder pelos usuários da WEB neste tempo marcado pelas notícias falsas (as famigeradas fake news), ataques raivosos contra a Igreja e minorias, pela superficialidade, pela chamada “pós-verdade”.
Ele mesmo foi vítima de um desses delírios nada virtuais. Após a exumação de seu corpo, em 23 de janeiro de 2019, uma etapa do processo de beatificação, correu um forte boato de que o cadáver estaria incorrupto. O assunto, vergonhosamente rasteiro diante da vida do jovem, provocou furor nas redes sociais. O fato foi desmentido pela Diocese de Assis. Segundo uma nota, houve uma reconstituição do rosto, com material de silicone. Só mesmo um santo entre os millenials ou “geração Y” para dar conta de tanta superficialidade.
Que Deus mande outras lâmpadas resplandecentes e desconcertantes para iluminar nosso caminho. Bem-aventurado Carlo Acutis, rogai por todos nós!
Alessandro Faleiro Marques
Diácono permanente na Arquidiocese de Belo Horizonte, professor de Língua Portuguesa, editor de textos para as irmãs servas do Espírito Santo.